Poemas & Poetas indeléveis de 2021:
Chris Herrmann
31 de dezembro de 2021
seleção de José Couto
por Chris Herrmann
seleção de José Couto
por Chris Herrmann
LITERAPURA
(para Paulo Bentancur,
In memoriam)
Uma vida dedicada
À leitura, à escrita
À literatura
Delírios, viagens
Tuas e nossas
Dia após dia
Olhos e mãos
Que sentiram
Que produziram
Que emocionaram
Que foram
E sempre serão
Pura poesia
Ainda escreves
O teu livro, meu amigo
Livre dos infernos
Impressos na terra
Nas entrelinhas
Do céu que criaste
Na mira dos sonhos
Na lira dos anjos
EL MAR Y LA MONTAÑA
Yo soy el mar.
A veces soy río
Y desaguo em el mundo,
Recorro alegrías y tristezas.
Plural y natural que soy,
Sacio la sed del momento.
Oigo lamentos, alimento vidas,
Soy barullo y movimiento.
Y quién eres tú, oh roca fría
Que te escondes sin prisa
Y vives presa em tu silencio?
Yo soy la montaña.
A veces dura o mansa,
Soy las marcas del tiempo.
Masa densa que resguarda,
Enriquece y da el aliento.
Soy abrigo para ti y para el viento
(vosotros que me visitais a diario)
Transformándome por dentro.
Es interior mi movimiento;
Alma cristalizada de seres,
Semillas, furias y miedos.
Y si me callo, caro mar,
Es porque guardo em mí
- incluyendo los tuyos – los más
‘cicatrialocados’ secretos.
O CAVALEIRO
Montado em meu cavalo, já cansado,
Arrisco percorrer mais um caminho.
Vejo sombras no vale descampado,
Já não posso dizer que estou sozinho.
O medo me perturba, estou errado?
Meu cavalo, talvez em desalinho.
Estou eu cavalgando no passado,
Ou sonhando a dor de um passarinho?
De pinote, trotamos rumo aos céus,
Despede-se com pesar meu cavalo
Diz-me: “Trouxe-te aqui por amá-lo!”
Flutuando no alto agora eu sei,
Desmontado, vazio em minha mente,
Sou o pó de alguma estrela cadente.
Poemar é um espelhar de avessos.
É vício e verso.
Das tuas palavras
Desabrochavam pétalas.
Dos nossos beijos,
As mil e uma noites
E as ávidas borboletas.
Dos nossos espaços
Num dia qualquer
Um vácuo sem fim.
De mim, sobrou o caule
De um crepúsculo
Que já foi cálido
Hoje, o botão fechado
Deste pálido miolo
Ainda sonha beleza.
Di_urna divagação
De nossa flor noturna
E a não-certeza infinita
De um boca-a-boca.
INSPIRAÇÃO
Escrevo enquanto
Minha véia poética
Permitir
Letras disputam
Com o oxigênio
Em meu sangue
Palavras chovem
Na minha aorta
Quando escrevo
Piro
Se não escrevo
Piro
E não respiro
PAI
Há tantas coisas
Que eu queria te dizer
Mas minha mente me desmente
Diz que você não pode ouvir
Ver ou vir
Daí te vejo me vejo revejo
Rimos de bobagens
Sem margens nem bagagens
Até que a chuva de silêncios
Escorre a dor a cor amor
De cor nos meus olhos
E as palavras se vão no vão
Das reticências das ciências
Insuficiências
Restando as rimas miseráveis
Das miragens insuperáveis
Saudades
NA_MORADORES
Moro em mim
E percebo tão melhor
Quando tu me namoras
Moras em ti
Mas se eu não te namoro
Morres sem saber de mim
E mais um pouco de ti
Somos duas moradas
E tantas vezes
Uma só
De risos e dores
Minutos ou décadas
Antes de voltarmos
Ao pó
LADO DO OUTONO
Uma folha cai
A terra:
Adubou-me
A árvore:
Libertou-se
Passante I:
Caiu do lado
Errado
Passante II:
Se tivesse lutado
Não caía
Passante III:
Rendeu-se
À gravidade
Outono:
As folhas caem
SONHO DE DANTE
Sentia-se no quinto
Dos infernos
Em seu sonho
De quarta dimensão
Chorava a última
Lágrima de sangue
Acordava então
Seu sexto sentido
Seu paraíso interno
Seu primeiro sorriso
SABIÁS E PALMEIRAS
Releitura da "Canção do Exílio" de Gonçalves Dias, 1847
Minhas terras têm doçuras e agruras
Porém só uma me encanta o sabiá...
Há maravilhas coloridas por aqui
Mas aquele verde das palmeiras
É ouro em pó em meus olhos
Marejados deste lado de cá
Lá deixei minhas maiores riquezas
Família, amores, tantos amigos
Belezas que também há por aqui
Contudo, não sem doer isto comigo
Há uma terra que me urge todo dia
Que insiste me ensaiar uma sinfonia
Debaixo das palmeiras, os sabiás
Eles sabem que vivo bem por aqui
E morrendo de saudades de lá
AUTORETRATO
De tanto
Que me contorci
Criei asas
De tanto
Que me comovi
Criei música
De tanto
Que me reescrevi
Deixei a vida
Me tocar
CARTA AO SILÊNCIO
Enquanto tu te fazes
Em silêncio absoluto
Não penso que morreste
Penso que viveste muito
Todos os milhões de instantes
E nossos mil e um bater de asas
Antes de repousarem lembranças
Tais quais borboletas distraídas
E ternas, em seus primeiros voos
Ora provando o fel de lágrimas
Ora provocando o céu em mim
Sim, porque fui eu que morri
- me desvoei por dentro
E te deixei me cobrir inteira –
De saudades
BORBOLETA NAS ENTRELINHAS
Para se ler uma borboleta
É preciso enxergar além das páginas
Além da beleza da capa
Além da efemeridade do epílogo
Além da velocidade do dis_curso
Além das dores do prólogo
Para se ler uma borboleta
É preciso ter olhos alados,
Sutilezas despetaladas
Num coração que se livre!
FLOR NOTURNA
Das tuas palavras
Desabrochavam pétalas
Dos nossos beijos
As mil e uma noites
E as ávidas borboletas
Dos nossos espaços
Num dia qualquer
Um vácuo sem fim
De mim, sobrou o caule
De um crepúsculo
Que já foi cálido
Hoje, o botão fechado
Deste pálido miolo
Ainda sonha beleza
Di_urna divagação
De nossa flor noturna
E a não-certeza infinita
De um boca-a-boca
ESTRANGEIRO
Há dias que tudo me soa estranho.
Há dias que até me sinto estanho.
Serei, assim, o estranho no ninho
Ou a máquina que vive em mim
Não mais suporta este mundo?
Há dias que sou máquina.
Há dias que só quero ser águia.
Como entender o metal letal
Que oxida a boca por dentro
E voa-me à posição fetal?
Há dias que eu quero ser mar.
Há dias que vou me afogar.
Como sorver tanta alma líquida
Com todo veneno que mora nas gentes
E filtrar somente o amar?
Há dias que me perco de tudo.
Há dias que me abraço mudo.
Abandonarei as respostas idas
Para me agarrar às perguntas
Do meu recomeço ao fim.
Porque serei sempre e sempre:
Um estranho neste universo.
Um poema estrangeiro de mim.
(para Paulo Bentancur,
In memoriam)
Uma vida dedicada
À leitura, à escrita
À literatura
Delírios, viagens
Tuas e nossas
Dia após dia
Olhos e mãos
Que sentiram
Que produziram
Que emocionaram
Que foram
E sempre serão
Pura poesia
Ainda escreves
O teu livro, meu amigo
Livre dos infernos
Impressos na terra
Nas entrelinhas
Do céu que criaste
Na mira dos sonhos
Na lira dos anjos
EL MAR Y LA MONTAÑA
Yo soy el mar.
A veces soy río
Y desaguo em el mundo,
Recorro alegrías y tristezas.
Plural y natural que soy,
Sacio la sed del momento.
Oigo lamentos, alimento vidas,
Soy barullo y movimiento.
Y quién eres tú, oh roca fría
Que te escondes sin prisa
Y vives presa em tu silencio?
Yo soy la montaña.
A veces dura o mansa,
Soy las marcas del tiempo.
Masa densa que resguarda,
Enriquece y da el aliento.
Soy abrigo para ti y para el viento
(vosotros que me visitais a diario)
Transformándome por dentro.
Es interior mi movimiento;
Alma cristalizada de seres,
Semillas, furias y miedos.
Y si me callo, caro mar,
Es porque guardo em mí
- incluyendo los tuyos – los más
‘cicatrialocados’ secretos.
O CAVALEIRO
Montado em meu cavalo, já cansado,
Arrisco percorrer mais um caminho.
Vejo sombras no vale descampado,
Já não posso dizer que estou sozinho.
O medo me perturba, estou errado?
Meu cavalo, talvez em desalinho.
Estou eu cavalgando no passado,
Ou sonhando a dor de um passarinho?
De pinote, trotamos rumo aos céus,
Despede-se com pesar meu cavalo
Diz-me: “Trouxe-te aqui por amá-lo!”
Flutuando no alto agora eu sei,
Desmontado, vazio em minha mente,
Sou o pó de alguma estrela cadente.
Poemar é um espelhar de avessos.
É vício e verso.
Das tuas palavras
Desabrochavam pétalas.
Dos nossos beijos,
As mil e uma noites
E as ávidas borboletas.
Dos nossos espaços
Num dia qualquer
Um vácuo sem fim.
De mim, sobrou o caule
De um crepúsculo
Que já foi cálido
Hoje, o botão fechado
Deste pálido miolo
Ainda sonha beleza.
Di_urna divagação
De nossa flor noturna
E a não-certeza infinita
De um boca-a-boca.
INSPIRAÇÃO
Escrevo enquanto
Minha véia poética
Permitir
Letras disputam
Com o oxigênio
Em meu sangue
Palavras chovem
Na minha aorta
Quando escrevo
Piro
Se não escrevo
Piro
E não respiro
PAI
Há tantas coisas
Que eu queria te dizer
Mas minha mente me desmente
Diz que você não pode ouvir
Ver ou vir
Daí te vejo me vejo revejo
Rimos de bobagens
Sem margens nem bagagens
Até que a chuva de silêncios
Escorre a dor a cor amor
De cor nos meus olhos
E as palavras se vão no vão
Das reticências das ciências
Insuficiências
Restando as rimas miseráveis
Das miragens insuperáveis
Saudades
NA_MORADORES
Moro em mim
E percebo tão melhor
Quando tu me namoras
Moras em ti
Mas se eu não te namoro
Morres sem saber de mim
E mais um pouco de ti
Somos duas moradas
E tantas vezes
Uma só
De risos e dores
Minutos ou décadas
Antes de voltarmos
Ao pó
LADO DO OUTONO
Uma folha cai
A terra:
Adubou-me
A árvore:
Libertou-se
Passante I:
Caiu do lado
Errado
Passante II:
Se tivesse lutado
Não caía
Passante III:
Rendeu-se
À gravidade
Outono:
As folhas caem
SONHO DE DANTE
Sentia-se no quinto
Dos infernos
Em seu sonho
De quarta dimensão
Chorava a última
Lágrima de sangue
Acordava então
Seu sexto sentido
Seu paraíso interno
Seu primeiro sorriso
SABIÁS E PALMEIRAS
Releitura da "Canção do Exílio" de Gonçalves Dias, 1847
Minhas terras têm doçuras e agruras
Porém só uma me encanta o sabiá...
Há maravilhas coloridas por aqui
Mas aquele verde das palmeiras
É ouro em pó em meus olhos
Marejados deste lado de cá
Lá deixei minhas maiores riquezas
Família, amores, tantos amigos
Belezas que também há por aqui
Contudo, não sem doer isto comigo
Há uma terra que me urge todo dia
Que insiste me ensaiar uma sinfonia
Debaixo das palmeiras, os sabiás
Eles sabem que vivo bem por aqui
E morrendo de saudades de lá
AUTORETRATO
De tanto
Que me contorci
Criei asas
De tanto
Que me comovi
Criei música
De tanto
Que me reescrevi
Deixei a vida
Me tocar
CARTA AO SILÊNCIO
Enquanto tu te fazes
Em silêncio absoluto
Não penso que morreste
Penso que viveste muito
Todos os milhões de instantes
E nossos mil e um bater de asas
Antes de repousarem lembranças
Tais quais borboletas distraídas
E ternas, em seus primeiros voos
Ora provando o fel de lágrimas
Ora provocando o céu em mim
Sim, porque fui eu que morri
- me desvoei por dentro
E te deixei me cobrir inteira –
De saudades
BORBOLETA NAS ENTRELINHAS
Para se ler uma borboleta
É preciso enxergar além das páginas
Além da beleza da capa
Além da efemeridade do epílogo
Além da velocidade do dis_curso
Além das dores do prólogo
Para se ler uma borboleta
É preciso ter olhos alados,
Sutilezas despetaladas
Num coração que se livre!
FLOR NOTURNA
Das tuas palavras
Desabrochavam pétalas
Dos nossos beijos
As mil e uma noites
E as ávidas borboletas
Dos nossos espaços
Num dia qualquer
Um vácuo sem fim
De mim, sobrou o caule
De um crepúsculo
Que já foi cálido
Hoje, o botão fechado
Deste pálido miolo
Ainda sonha beleza
Di_urna divagação
De nossa flor noturna
E a não-certeza infinita
De um boca-a-boca
ESTRANGEIRO
Há dias que tudo me soa estranho.
Há dias que até me sinto estanho.
Serei, assim, o estranho no ninho
Ou a máquina que vive em mim
Não mais suporta este mundo?
Há dias que sou máquina.
Há dias que só quero ser águia.
Como entender o metal letal
Que oxida a boca por dentro
E voa-me à posição fetal?
Há dias que eu quero ser mar.
Há dias que vou me afogar.
Como sorver tanta alma líquida
Com todo veneno que mora nas gentes
E filtrar somente o amar?
Há dias que me perco de tudo.
Há dias que me abraço mudo.
Abandonarei as respostas idas
Para me agarrar às perguntas
Do meu recomeço ao fim.
Porque serei sempre e sempre:
Um estranho neste universo.
Um poema estrangeiro de mim.
Chris Herrmann é escritora/poeta, musicista, editora, tradutora, webdesigner carioca, radicada na Alemanha desde 1996. No Brasil, estudou Literatura, Música e Webdesign. É pós-graduada em Musikgeragogik na Alemanha. Organizou e participou de diversas antologias de poesia no Brasil e no exterior. É autora dos livros de poesia Voos de Borboleta (Tubap / Clube de Autores, 2015), Na Rota do Hai y Kai (Tubap, 2015), Gota a Gota (Scenarium, 2016), Cara de Lua (Sangre Editorial / Mulheres Emergentes, 2019), dos romances Borboleta — a menina que lia poesia, (Patuá, 2018) e Peccatum (Arribaçã, 2020), e de minicontos Entre Amoras e Amores (Ser MulherArte Editorial, 2020). Tem poemas publicados (em algumas também colaborou como autora) nas revistas eletrônicas Algo a Dizer (colaboradora), Zona da Palavra, Blocos Online (colunista), Revista Plural – Scenarium (colaboradora), Mallarmargens (colaboradora), Germina, Ruído Manifesto, Revista Caliban, Literatura & Fechadura, Mirada, entre outras. É editora da Revista Ser MulherArte.
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José Couto (Porto Alegre/RS). Professor e poeta brasileiro. É o autor de “A impermanência da escrita” (2010), “O soneto de Pandora” (2017) e “O unicórnio do sul e outras lendas poéticas” com ilustrações de Luiza Maciel Nogueira (2018). E dos inéditos “quase quasares” poesia,”Sete Cânticos Negros”, poesia, arte plástica e música, TOTEM (poesias a quatro mãos) com arte de Artur Madruga.
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