Apresentação do e-book Enlouquecer é ganhar mil pássaros, de Adriane Garcia
15 de fevereiro de 2022
por Cinthia Kriemler
por Cinthia Kriemler
Em A guerra não tem rosto de mulher, Svetlana Aleksiévitch fala sobre as mulheres: “São capazes de ver o que está escondido para os homens. Vou repetir mais uma vez: a guerra delas tem cheiro, cor, o mundo detalhado da existência”.
Assim que terminei a leitura de Enlouquecer é ganhar mil pássaros, de Adriane Garcia, me lembrei do livro de Svetlana. Mulheres lutam suas batalhas no plano da não violência física. Buscam outras formas para se expressar. E exercem com consciência e persistência o seu direito de alertar e denunciar. “Uma pessoa fica mais exposta e se revela mais, acima de tudo, na guerra e, talvez, no amor.”, diz a Nobel de Literatura. Adriane Garcia é essa pessoa. Uma autora que trava guerras inteligentes no campo das palavras. Que fala de morte para exigir a vida, que fala de silêncios para resgatar os gritos, que fala de amor para mostrar o quanto ainda é possível. Contrastes que se equilibram ou explodem em poemas como Em trapos:
A poesia vem falar de lixo/Despejado no mar no espaço no estômago/Vem falar de grupos econômicos/De agronegócio/De corrupção
Ao final da leitura dos 44 poemas deste livro intenso, ficamos marcados pelas sensações de tudo o que a poeta diz. Os textos de Adriane são profundos, encorpados, belos. Lugar de reflexão. Essa, talvez, uma das características mais fortes de Adriane, e que faço questão de repetir a cada vez que falo sobre ela. Os seus poemas provocam os nossos sentimentos e instintos. E causam efeitos colaterais. Dos bons. Daqueles que incomodam o marasmo e cutucam as indiferenças.
O poema Cadáveres é uma das expressões desse ambiente hostil:
Os dias de morte / Podem até ser úteis / Mas são muito feios.
Em Sopro, a sensação claustrofóbica da impotência:
O homem vivente no cubículo / De ar rarefeito asfixiante / Escuro sente com as mãos / Um labirinto de grades
Em Sem teto, a tragédia banalizada pelo cotidiano:
Um dia as telhas voaram / Assustados pássaros de amianto
Além de denunciar as misérias humanas e as mazelas sociais, Adriane é a que se “revela mais (…) e, talvez, no amor”. Conhecida por sua franqueza elegante e por sua generosidade, amplia para todos os que a cercam uma esfera de inteligência e acolhimento.
Em Terra molhada, uma mensagem para o companheiro, Tadeu Sarmento:
Amor / Você é tão bonito / Quanto o cheiro / Que a chuva faz / Assim que brota / No chão
Em Diaborim, uma homenagem à poeta e amiga Carla Diacov:
Ouço Carla Diacov gritando / Louca suada ensandecida / Essa mulher foge pras ruas / E copula com as palavras!
Em Enlouquecer é ganhar mil pássaros, todas as nuanças da Poesia.
Como no metapoema Este poema:
Este poema não vai / Segurar a lâmina / Não vai arrebentar a corda / Não vai dar de comer à / Criança / Suja estendendo a mão / Na rua
E na ironia sobre o rebuscamento de linguagem, em Poético:
E tem aquelas palavras / “Poéticas" por excelência / Todas beijadas por / Colibris orvalhados/ Na manhã imberbe / Depois da noite diáfana
A dor necessária, em Anti-hemorrágico:
Se eu pudesse sarar / Essa dor que é sua / Mas nem devo, maninha / A dor é o alarme da ferida
A pressa de viver, em Só hoje:
Essa coisa de / Ter aprendido a morrer / Faz viver com uma urgência / Indizível
A asfixia, em Mensagem no biscoito da sorte:
É um mundo pequeno / E cheio / De claustro.
O medo, em Gástrico:
Me deu uma poesia no estômago / Borboletas não / Uma pedra / Uma não / Trinta e oito
E a certeza de que a arte é caminho, em Algum alívio na metrópole:
O céu vomitava as cinzas / Quando um artista se pôs / Na esquina / E tirou coloridos de uma corda / Retesada / De violino.
Enlouquecer é ganhar mil pássaros é poesia que começa no título. Adriane Garcia é poeta – e também prosadora — que dispensa apresentações. Mas que merece todas as palavras. As minhas, sempre que eu puder.
Adriane Garcia é leitura para todos os olhares. Ganhamos todos.
Assim que terminei a leitura de Enlouquecer é ganhar mil pássaros, de Adriane Garcia, me lembrei do livro de Svetlana. Mulheres lutam suas batalhas no plano da não violência física. Buscam outras formas para se expressar. E exercem com consciência e persistência o seu direito de alertar e denunciar. “Uma pessoa fica mais exposta e se revela mais, acima de tudo, na guerra e, talvez, no amor.”, diz a Nobel de Literatura. Adriane Garcia é essa pessoa. Uma autora que trava guerras inteligentes no campo das palavras. Que fala de morte para exigir a vida, que fala de silêncios para resgatar os gritos, que fala de amor para mostrar o quanto ainda é possível. Contrastes que se equilibram ou explodem em poemas como Em trapos:
A poesia vem falar de lixo/Despejado no mar no espaço no estômago/Vem falar de grupos econômicos/De agronegócio/De corrupção
Ao final da leitura dos 44 poemas deste livro intenso, ficamos marcados pelas sensações de tudo o que a poeta diz. Os textos de Adriane são profundos, encorpados, belos. Lugar de reflexão. Essa, talvez, uma das características mais fortes de Adriane, e que faço questão de repetir a cada vez que falo sobre ela. Os seus poemas provocam os nossos sentimentos e instintos. E causam efeitos colaterais. Dos bons. Daqueles que incomodam o marasmo e cutucam as indiferenças.
O poema Cadáveres é uma das expressões desse ambiente hostil:
Os dias de morte / Podem até ser úteis / Mas são muito feios.
Em Sopro, a sensação claustrofóbica da impotência:
O homem vivente no cubículo / De ar rarefeito asfixiante / Escuro sente com as mãos / Um labirinto de grades
Em Sem teto, a tragédia banalizada pelo cotidiano:
Um dia as telhas voaram / Assustados pássaros de amianto
Além de denunciar as misérias humanas e as mazelas sociais, Adriane é a que se “revela mais (…) e, talvez, no amor”. Conhecida por sua franqueza elegante e por sua generosidade, amplia para todos os que a cercam uma esfera de inteligência e acolhimento.
Em Terra molhada, uma mensagem para o companheiro, Tadeu Sarmento:
Amor / Você é tão bonito / Quanto o cheiro / Que a chuva faz / Assim que brota / No chão
Em Diaborim, uma homenagem à poeta e amiga Carla Diacov:
Ouço Carla Diacov gritando / Louca suada ensandecida / Essa mulher foge pras ruas / E copula com as palavras!
Em Enlouquecer é ganhar mil pássaros, todas as nuanças da Poesia.
Como no metapoema Este poema:
Este poema não vai / Segurar a lâmina / Não vai arrebentar a corda / Não vai dar de comer à / Criança / Suja estendendo a mão / Na rua
E na ironia sobre o rebuscamento de linguagem, em Poético:
E tem aquelas palavras / “Poéticas" por excelência / Todas beijadas por / Colibris orvalhados/ Na manhã imberbe / Depois da noite diáfana
A dor necessária, em Anti-hemorrágico:
Se eu pudesse sarar / Essa dor que é sua / Mas nem devo, maninha / A dor é o alarme da ferida
A pressa de viver, em Só hoje:
Essa coisa de / Ter aprendido a morrer / Faz viver com uma urgência / Indizível
A asfixia, em Mensagem no biscoito da sorte:
É um mundo pequeno / E cheio / De claustro.
O medo, em Gástrico:
Me deu uma poesia no estômago / Borboletas não / Uma pedra / Uma não / Trinta e oito
E a certeza de que a arte é caminho, em Algum alívio na metrópole:
O céu vomitava as cinzas / Quando um artista se pôs / Na esquina / E tirou coloridos de uma corda / Retesada / De violino.
Enlouquecer é ganhar mil pássaros é poesia que começa no título. Adriane Garcia é poeta – e também prosadora — que dispensa apresentações. Mas que merece todas as palavras. As minhas, sempre que eu puder.
Adriane Garcia é leitura para todos os olhares. Ganhamos todos.
Cinthia Kriemler é romancista, contista e poeta. Publicou, pela Editora Patuá: Exercício de leitura de mulheres loucas (Poesia, 2018); Todos os abismos convidam para um mergulho (Romance, 2017), finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2018; Na escuridão não existe cor-de-rosa (Conto, 2015), semifinalista do Prêmio Oceanos 2016; Sob os escombros (Contos, 2014) e Do todo que me cerca (Crônicas, 2012). Carioca, mora em Brasília.
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