Poemas & Poetas indeléveis de 2021:
Jade Luísa
31 de dezembro de 2021
seleção de José Couto
por Jade Luísa
seleção de José Couto
por Jade Luísa
GEMA
Banhar a sede da relva com o beijo primeiro
Tornar-se pétala, lágrima
Brilho início cega, cria
O findar da fonte tateia: raízes na boca
Viver como se acabasse de nascer
Nascer como se acabasse de morrer.
CONFESSO DEVANEA-ME NOS SEUS DENTES
Então você olha pras minhas maçãs
E sorri quando percebe que elas ardem
Até o pé da orelha,
Bem no lugar que você beijou antes de me dizer
Mariposas e besouros.
Não sinto dor agora, apenas
Quando eu me deitar sob as coxias do inverno.
Elas protegem minhas orelhas da sua saliva
Mesmo quando eu não peço, mesmo
Quando meu anseio maior é me
Embaraçar no vazio entre a sua gengiva e a sua
Orelha.
Agora eu falo pelas coxas.
Sigo contando histórias sobre como estou
Cega pela luz da sua garganta
Surda pelo som do seu tórax
Muda pelo eco das suas pupilas
Inerte pela lava que escorre das minhas coxas falantes
Entoando elegias por detrás do seu pescoço,
Como quem enrola a língua ao sussurrar seu nome.
Baixinho, para que só o desejo possa ouvir.
REVERBO
Nos teus dedos minúsculos não cabem os gerúndios infindos.
Toco tuas pálpebras trêmulas
Cadência particular.
Escrevo o amor dedilhado
Enrolo teu lá em minha garganta – ela se abre e afina
Da ponta do delírio à extremidade
Do seu último dedo
E caçoa do silêncio.
Teu riso é palavra, assonância
Sentir o amor e sentir o vento e sentir o silêncio
E cantar tuas palavras
Em tons e hálitos
É o que me faz verberar tua voz.
PREÂMBULOS
“Tudo aconteceu num tempo de menina. O resto, a vida, é redundância”
Marilene Felinto
I.
O primeiro livro de biblioteca que aquela criança
Escolheu
Pasmem! Não tinha bichos ou
Heroínas
Mas a árvore anciã
Do seu começo.
II.
Vovó dizia que algodão dava
Num pé do tamanho de gente pequena
E dava fruto cor-de-rosa
Mais doce que compota de goiaba
(nunca soube a diferença entre fruto e fruta, mas vovó
Dizia que fruto é mais chique)
Nunca entendi, na verdade
Algodão não dá em árvore gigante?
Os frutos não são cor-de-rosa mas tem algodão
Do lado de dentro
Se eu juntar bastante, vou
Tecer um gorro pra Senhora!
Que cubra os olhos – para que não me veja enquanto termino.
III.
Quando juntar doze miolos de pão embaixo da cama
Posso trocar por figurinha na padaria
– foi o que Lilian disse
Mamãe disse que eu sou boba e bateu de chinela
Doeu bastante
Preciso completar a página sete pra ficar
Mais forte logo.
IV.
Bem feito, sua velha feia!
(enquanto amassava cascas de cigarra em frente ao portão de ferro)
Você nunca vai escapar do meu maior feitiço!
Dona Juliana passou seis dias no hospital depois
Do golpe da garrafa de vidro lançada pelo filho viciado
Jurei que eu tinha matado a velha com as cigarras
Mas acho que a salvei
Foi minha primeira mandinga.
V.
Conheci a morte sentada na minha cama
Olhos baixos, corpo dobrado
Como se pra ficar do meu tamanho
A senhora se apresentou
Hoje visitei a tua avó enquanto ela dormia
Como faço agora contigo
Não te acanhes
É o que faço
Pra tapar a fome da terra
Conheci a morte sentada na minha cama
Na boca um muxoxo árido e a lembrança
Da minha avó fazendo conservas
De pimenta
Eu lembrava dos rabos de gato brotando
Onde crescia deus na fome da terra
Onde vigiava deus o coito das velhas.
VI.
Pra onde vão as borboletas quando elas morrem?
Em quantas noite se abrem os
Olhos dos gatos?
Ela rezava com os dedinhos enquanto
Inundava o formigueiro e
Elegia as mais belas formigas para
Escapar do dilúvio
Na arca de papel.
VII.
Aquedutos, claraboias, mirantes
O primeiro toque na vulva
A primeira morte.
NOVE INSTANTE E UM DEPOIS
“Enquanto te chupo me vêm instantes do que seria o morrer"
Hilda Hilst
I.
Um fio de vento timbrado faz ronco que disfarça
O estouro da mandíbula no meio
Das pernas
A boca que estoura fere a tinta nos dedos
Esboço de vaga-lume, seu quadril-urucum.
II.
Persianas atentas
Rua-deserto, apenas uma poça reflete
A silhueta da lua:
Oscila
A cada lambida.
III.
Sobrevive à mordida da serpente
Que é só prelúdio.
Aproxima-se, com o zelo de quem prepara a ceia.
Submerge no vinho antes do mel.
Mas volta
Inteira e nua.
IV.
Seria capaz de galopar até o fim dos Andes
Até o fim das eras o fim da coluna o fim do cu
Até a renda do sangue até a borda do tempo
E só precisaria de um fôlego – aquele
Fôlego de égua
Que dobra o sol entre as fendas da vulva.
V.
Um par de dedos explora a buceta
Viela-vereda-ruína
E sai vermelho
Como se acabasse de colher amoras do pé.
VI.
Colarinho delineado no lençol
Mancha de sangue ainda quente sobrevive
E tinge também meu pescoço, quando estava entre as mãos
Não há silêncio, mulheres
Jamais se amaram em silêncio – talvez em cochichos já
Que é tão gostosa a palavra-pequena no cangote,
Mas o grito
Suas mãos envolvem minha garganta
Convite ao grito.
VII.
Conheço, como ninguém,
O rascunho do mundo pelos seus pentelhos.
VIII.
As cores dos seus espasmos na parede
Impressões de mural candango, conheço
A marca da lambida de onça no cio
Libido de onça exposta no museu, empalhada
- testemunhei o sexo das onças,
O flerte dos animais com asa e estou certa de
Que você gozando é mais linda que qualquer bicho de asa
(asas têm inveja das suas pernas)
IX.
Morro aos poucos na sua boca,
Mas sobrevivo porque vejo
No tutano do seu útero
O oceano
Com os olhos de Alfonsina
- via o berço, o dengo, o fim.
X.
As mulheres que se amam, como as mulheres que se amam
Arrancam o galope
Como o amor – um calango vermelho-ferro
Como o gozo
No zunido da água torneando as panelas às oito da manhã.
O almoço requentado, restos de vinho
Resquícios de sangue na cutícula do dedo médio
Três dedos de vinagre roxo na primeira madrugada do ano de Oxum.
TRÊS QUARTOS DE SÉCULO OU AS MENINAS QUE MORRERAM NA CALÇADA
Escrevo em vermelho como se esboçasse gotas de sangue. Estou cortando um bife das minhas costelas não como carne há dois anos não lembro o gosto dos mamilos empinados.
Jamais imaginei sentir saudade dos bolinhos de areia feitos na construção abandonada. Uma legião de mulheres abandonadas também corta bifes das próprias costelas.
A espera. A espera. O silêncio. O pulsar barulhento da língua dentro da boca: olha mais uma vez! A língua não está dentro da boca.
Olha mais uma vez!
A língua não está dentro da boca, perdi minha língua há milênios e nem tentei procurar,
Não preciso dela, ainda tenho seis outras línguas nos buracos do rosto muito
Maiores e muito mais suculentas, vermelhas, sadias, tônicas muito mais ébrias muito mais ébano muito mais frio.
Olha mais uma vez!
Olha com esses olhos que eu sei que não são seus, com esses pelos que não são seus. Eu me lembro do gosto de umbu dos seus olhos-de-gude e não é esse que sacia meu fígado.
Olha meu fígado regado de umbu e diz se não é o mais belo fígado de todos os Trópicos! Olha mais uma vez!
Olha com as mãos! Tateia minha pele como se procurasse o fio da sua vida numa gruta escura. Põe a mão aqui e diz quantos batimentos por segundo as suas dores conseguem aplacar.
Apalpa minha nuca como se masturbasse uma mulher viúva, delira de desejo e pensa na legião de mulheres abandonadas que transferem
O corte das unhas para a carne,
Pensa nas meninas que se tornarão açougueiras,
Pensa na infância e na morte como se elas fossem uma mulher só.
GRÃOS
Vejo girassóis no crepúsculo da sua nuca. Quando sobre a lua, seus olhos se transformam em duas mariposas fadigadas que polvilham o desejo terroso do toque seu sobre minhas pupilas planas, pangeicas. Minhas pupilas se abrem para as suas mariposas pretas. O que resta agora do meu rosto são as trincheiras gigantes e o suor que escorre do desejo. Sinto o cheiro remanescente da lua e da sua nuca amarela, mas não a vejo. Meus olhos tornaram-se sulcos siameses, à espera de algo que se assemelhe ao silêncio das asas das mariposas quando repousam leves sobre os girassóis da sua nuca. Os afagos galopam. Na fenda dos olhos, dizem, há um córrego frio para onde correm os afagos, perpetuando o amarelo fogo que jorra por nossas têmporas.
*
Certa noite de lua-vazia, eu flagrei uma lágrima no pescoço do céu. No pescoço do céu, uma lágrima. O pescoço do céu seria tão grande quanto o pescoço das montanhas incircundáveis. Foi um homem quem estrangulou o pescoço do céu e deixou por lá uma lágrima. Foi o deslize da lágrima que umedeceu meus dedos e eu me lembrei da primeira vez que pus os dedos no mar. Deito meu pescoço sobre os ombros e ele parece se alargar aos limites do céu. Tenho ombros de montanha, quase não nasci por ser incapaz de encolher os ombros. Mas o pescoço nunca foi tão grande. Talvez tenha sorvido a água salgada de toda uma vida, água salgada incha. O pescoço inchou como uma esponja escondida entre corais. Por mim, tanto faz entre o mar e as suas pernas. Continuo com uma lasca de coco atravessando a garganta e chorando que nem o céu na noite de lua-vazia. Tenho medo do escuro porque vejo a lágrima. E ver a lágrima é não-chorar com os olhos.
Banhar a sede da relva com o beijo primeiro
Tornar-se pétala, lágrima
Brilho início cega, cria
O findar da fonte tateia: raízes na boca
Viver como se acabasse de nascer
Nascer como se acabasse de morrer.
CONFESSO DEVANEA-ME NOS SEUS DENTES
Então você olha pras minhas maçãs
E sorri quando percebe que elas ardem
Até o pé da orelha,
Bem no lugar que você beijou antes de me dizer
Mariposas e besouros.
Não sinto dor agora, apenas
Quando eu me deitar sob as coxias do inverno.
Elas protegem minhas orelhas da sua saliva
Mesmo quando eu não peço, mesmo
Quando meu anseio maior é me
Embaraçar no vazio entre a sua gengiva e a sua
Orelha.
Agora eu falo pelas coxas.
Sigo contando histórias sobre como estou
Cega pela luz da sua garganta
Surda pelo som do seu tórax
Muda pelo eco das suas pupilas
Inerte pela lava que escorre das minhas coxas falantes
Entoando elegias por detrás do seu pescoço,
Como quem enrola a língua ao sussurrar seu nome.
Baixinho, para que só o desejo possa ouvir.
REVERBO
Nos teus dedos minúsculos não cabem os gerúndios infindos.
Toco tuas pálpebras trêmulas
Cadência particular.
Escrevo o amor dedilhado
Enrolo teu lá em minha garganta – ela se abre e afina
Da ponta do delírio à extremidade
Do seu último dedo
E caçoa do silêncio.
Teu riso é palavra, assonância
Sentir o amor e sentir o vento e sentir o silêncio
E cantar tuas palavras
Em tons e hálitos
É o que me faz verberar tua voz.
PREÂMBULOS
“Tudo aconteceu num tempo de menina. O resto, a vida, é redundância”
Marilene Felinto
I.
O primeiro livro de biblioteca que aquela criança
Escolheu
Pasmem! Não tinha bichos ou
Heroínas
Mas a árvore anciã
Do seu começo.
II.
Vovó dizia que algodão dava
Num pé do tamanho de gente pequena
E dava fruto cor-de-rosa
Mais doce que compota de goiaba
(nunca soube a diferença entre fruto e fruta, mas vovó
Dizia que fruto é mais chique)
Nunca entendi, na verdade
Algodão não dá em árvore gigante?
Os frutos não são cor-de-rosa mas tem algodão
Do lado de dentro
Se eu juntar bastante, vou
Tecer um gorro pra Senhora!
Que cubra os olhos – para que não me veja enquanto termino.
III.
Quando juntar doze miolos de pão embaixo da cama
Posso trocar por figurinha na padaria
– foi o que Lilian disse
Mamãe disse que eu sou boba e bateu de chinela
Doeu bastante
Preciso completar a página sete pra ficar
Mais forte logo.
IV.
Bem feito, sua velha feia!
(enquanto amassava cascas de cigarra em frente ao portão de ferro)
Você nunca vai escapar do meu maior feitiço!
Dona Juliana passou seis dias no hospital depois
Do golpe da garrafa de vidro lançada pelo filho viciado
Jurei que eu tinha matado a velha com as cigarras
Mas acho que a salvei
Foi minha primeira mandinga.
V.
Conheci a morte sentada na minha cama
Olhos baixos, corpo dobrado
Como se pra ficar do meu tamanho
A senhora se apresentou
Hoje visitei a tua avó enquanto ela dormia
Como faço agora contigo
Não te acanhes
É o que faço
Pra tapar a fome da terra
Conheci a morte sentada na minha cama
Na boca um muxoxo árido e a lembrança
Da minha avó fazendo conservas
De pimenta
Eu lembrava dos rabos de gato brotando
Onde crescia deus na fome da terra
Onde vigiava deus o coito das velhas.
VI.
Pra onde vão as borboletas quando elas morrem?
Em quantas noite se abrem os
Olhos dos gatos?
Ela rezava com os dedinhos enquanto
Inundava o formigueiro e
Elegia as mais belas formigas para
Escapar do dilúvio
Na arca de papel.
VII.
Aquedutos, claraboias, mirantes
O primeiro toque na vulva
A primeira morte.
NOVE INSTANTE E UM DEPOIS
“Enquanto te chupo me vêm instantes do que seria o morrer"
Hilda Hilst
I.
Um fio de vento timbrado faz ronco que disfarça
O estouro da mandíbula no meio
Das pernas
A boca que estoura fere a tinta nos dedos
Esboço de vaga-lume, seu quadril-urucum.
II.
Persianas atentas
Rua-deserto, apenas uma poça reflete
A silhueta da lua:
Oscila
A cada lambida.
III.
Sobrevive à mordida da serpente
Que é só prelúdio.
Aproxima-se, com o zelo de quem prepara a ceia.
Submerge no vinho antes do mel.
Mas volta
Inteira e nua.
IV.
Seria capaz de galopar até o fim dos Andes
Até o fim das eras o fim da coluna o fim do cu
Até a renda do sangue até a borda do tempo
E só precisaria de um fôlego – aquele
Fôlego de égua
Que dobra o sol entre as fendas da vulva.
V.
Um par de dedos explora a buceta
Viela-vereda-ruína
E sai vermelho
Como se acabasse de colher amoras do pé.
VI.
Colarinho delineado no lençol
Mancha de sangue ainda quente sobrevive
E tinge também meu pescoço, quando estava entre as mãos
Não há silêncio, mulheres
Jamais se amaram em silêncio – talvez em cochichos já
Que é tão gostosa a palavra-pequena no cangote,
Mas o grito
Suas mãos envolvem minha garganta
Convite ao grito.
VII.
Conheço, como ninguém,
O rascunho do mundo pelos seus pentelhos.
VIII.
As cores dos seus espasmos na parede
Impressões de mural candango, conheço
A marca da lambida de onça no cio
Libido de onça exposta no museu, empalhada
- testemunhei o sexo das onças,
O flerte dos animais com asa e estou certa de
Que você gozando é mais linda que qualquer bicho de asa
(asas têm inveja das suas pernas)
IX.
Morro aos poucos na sua boca,
Mas sobrevivo porque vejo
No tutano do seu útero
O oceano
Com os olhos de Alfonsina
- via o berço, o dengo, o fim.
X.
As mulheres que se amam, como as mulheres que se amam
Arrancam o galope
Como o amor – um calango vermelho-ferro
Como o gozo
No zunido da água torneando as panelas às oito da manhã.
O almoço requentado, restos de vinho
Resquícios de sangue na cutícula do dedo médio
Três dedos de vinagre roxo na primeira madrugada do ano de Oxum.
TRÊS QUARTOS DE SÉCULO OU AS MENINAS QUE MORRERAM NA CALÇADA
Escrevo em vermelho como se esboçasse gotas de sangue. Estou cortando um bife das minhas costelas não como carne há dois anos não lembro o gosto dos mamilos empinados.
Jamais imaginei sentir saudade dos bolinhos de areia feitos na construção abandonada. Uma legião de mulheres abandonadas também corta bifes das próprias costelas.
A espera. A espera. O silêncio. O pulsar barulhento da língua dentro da boca: olha mais uma vez! A língua não está dentro da boca.
Olha mais uma vez!
A língua não está dentro da boca, perdi minha língua há milênios e nem tentei procurar,
Não preciso dela, ainda tenho seis outras línguas nos buracos do rosto muito
Maiores e muito mais suculentas, vermelhas, sadias, tônicas muito mais ébrias muito mais ébano muito mais frio.
Olha mais uma vez!
Olha com esses olhos que eu sei que não são seus, com esses pelos que não são seus. Eu me lembro do gosto de umbu dos seus olhos-de-gude e não é esse que sacia meu fígado.
Olha meu fígado regado de umbu e diz se não é o mais belo fígado de todos os Trópicos! Olha mais uma vez!
Olha com as mãos! Tateia minha pele como se procurasse o fio da sua vida numa gruta escura. Põe a mão aqui e diz quantos batimentos por segundo as suas dores conseguem aplacar.
Apalpa minha nuca como se masturbasse uma mulher viúva, delira de desejo e pensa na legião de mulheres abandonadas que transferem
O corte das unhas para a carne,
Pensa nas meninas que se tornarão açougueiras,
Pensa na infância e na morte como se elas fossem uma mulher só.
GRÃOS
Vejo girassóis no crepúsculo da sua nuca. Quando sobre a lua, seus olhos se transformam em duas mariposas fadigadas que polvilham o desejo terroso do toque seu sobre minhas pupilas planas, pangeicas. Minhas pupilas se abrem para as suas mariposas pretas. O que resta agora do meu rosto são as trincheiras gigantes e o suor que escorre do desejo. Sinto o cheiro remanescente da lua e da sua nuca amarela, mas não a vejo. Meus olhos tornaram-se sulcos siameses, à espera de algo que se assemelhe ao silêncio das asas das mariposas quando repousam leves sobre os girassóis da sua nuca. Os afagos galopam. Na fenda dos olhos, dizem, há um córrego frio para onde correm os afagos, perpetuando o amarelo fogo que jorra por nossas têmporas.
*
Certa noite de lua-vazia, eu flagrei uma lágrima no pescoço do céu. No pescoço do céu, uma lágrima. O pescoço do céu seria tão grande quanto o pescoço das montanhas incircundáveis. Foi um homem quem estrangulou o pescoço do céu e deixou por lá uma lágrima. Foi o deslize da lágrima que umedeceu meus dedos e eu me lembrei da primeira vez que pus os dedos no mar. Deito meu pescoço sobre os ombros e ele parece se alargar aos limites do céu. Tenho ombros de montanha, quase não nasci por ser incapaz de encolher os ombros. Mas o pescoço nunca foi tão grande. Talvez tenha sorvido a água salgada de toda uma vida, água salgada incha. O pescoço inchou como uma esponja escondida entre corais. Por mim, tanto faz entre o mar e as suas pernas. Continuo com uma lasca de coco atravessando a garganta e chorando que nem o céu na noite de lua-vazia. Tenho medo do escuro porque vejo a lágrima. E ver a lágrima é não-chorar com os olhos.
Jade Luísa é potiguar de nascença, paulista de criação e brasiliense de passagem. Estuda Letras na Universidade de Brasília e tem uns pares de poemas publicados em revistas virtuais. Participou da antologia As luas: o amor e suas variações (Lumme, 2020). Além da poesia, também caminha pelo teatro, é atriz e dramaturga do Coletivo de Teatro Enleio/Lançou recentemente O Olho esquerdo da Lua. Penalux.2020
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José Couto (Porto Alegre/RS). Professor e poeta brasileiro. É o autor de “A impermanência da escrita” (2010), “O soneto de Pandora” (2017) e “O unicórnio do sul e outras lendas poéticas” com ilustrações de Luiza Maciel Nogueira (2018). E dos inéditos “quase quasares” poesia,”Sete Cânticos Negros”, poesia, arte plástica e música, TOTEM (poesias a quatro mãos) com arte de Artur Madruga.
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