Poemas & Poetas indeléveis de 2021:
Joelma Bittencourt
23 de dezembro de 2021
seleção de José Couto
por Joelma Bittencourt
seleção de José Couto
por Joelma Bittencourt
MÃOS DADAS COM DRUMMOND
Não serei poeta de um mundo caduco
Também não cantarei o mundo futuro
Minha vida por um fio
E meus contemporâneos
Estão equilibristas perseverantes
Entre eles considero
Dar de presente minhas mãos dadas
Sem lhes provocar precipício
Cantarei unicamente o amor pelos cactos
É meu vício este amor dolorido
É também gravidade que me impede
De ter mais com a lua
A metáfora nos cactos é minha matéria
Suas flores
Seus espinhos
A vida vaidosa prepotente eternamente efêmera.
CONVITE DRUMMONDIANO
Não ignoro
A pedra
No meio do caminho
.
Tento
Rolo a minha
Se não der conta
Dou-lhe asas
.
O importante
Não é o sacrifício
Mas tornar bem alta
A montanha!
DOS EXERCÍCIOS DE ESCREVER
Ante o poema-mendigo
Alguém a lhe garantir uma esmola
Durante a pressa da vida
Sem lhe cobrar um rosto
Ou motivo
Com isso o poema ganha o dia
E o poeta suspira aquele alívio
De quem confia plenamente
Na máscara que usa.
ÂNFORA
As palavras
Manipulam meu tempo
Durante o dia me remoçam
À noite me querem mística anciã
Não menos alquímica
A poesia doira meus pedestais
Manipula elementos
Nos motivos das lágrimas.
ANTES DA CONVERSA
Envelhecidas rotas posam
De souvenir
No bem que é confundir as memórias
Avizinhando-as ao que nunca
Foi dito
Assim evito
Que os distanciamentos
Milimetricamente calculados
Encontrem meu endereço.
POEMA PARA COLORIR
Vez em quando
Bate saudade
Dos amores partidos
Dei-lhes laços
Desataram-se
Foram se desenhar nas nuvens
Por isso tanto me flagram
Equilibrando a cabeça
Em linhas imaginárias
Imitando as pipas na alegria.
AOS OUVIDOS DO VENTO
Depois do adeus
Fica uma praia deserta
Boa de escrever
O que se esconde
No constrangimento
Do coração
É quando a gente
Entende a solidão
Do papel em branco
Doido por uma palavra.
MEMÓRIAS EM NÁCAR
Cantarolagem de mãe
Cerzindo filho
Quase não se quer sair do seu colo
Pensa-se
Que onda é música
Que rosa é nota em si maior
Que as flores sob o ipê são cantos
A léguas das sereias
Pensa-se
Que saudade é cantilena à vigília
Que solidão é dom
De quem nasceu incontido
Cantarolagem de mãe
Seus olhos espelhos cuidando
De narcisos.
A UNIVERSALIDADE DO RISCO
Quem atravessa
Um poema ao pé da letra
Arrisca-se a ser soletrado
Quem vai de cabra-cega
Arrisca-se a nunca mais
Ser encontrado
Eu costumo ir de camelo
Sem precisar de oásis
É que aprendi a transformar
Deserto em miragem.
AVIS RARA
Creio nas sete vidas do gato
Mas a vida da gente
Só dura uma sorte
Creio no ouro do gnomo
Mas a pobreza de espírito
É avareza dos homens
Creio no pé mágico de feijão
Mas gigante mesmo
Só a fome do mundo
Creio no rei na barriga
Mas é bobo da corte
Que reina os bobos
Creio no ovo e na galinha
Mas quem nasceu primeiro
Foi o sol.
VIAGEM AO CÉU EM CINCO DIAS
Cinco poetas resolveram
Construir uma torre
Que superasse a de babel
Em pedantismo
Cada um estalava
Sua língua sobre a do outro
Da maneira que mais lhe valia
Só quatro poetas descansaram
No final do primeiro dia
Quatro poetas continuaram
A torre que superasse a de babel
Em pedantismo
Cada um explorava
A língua do outro
Da maneira que mais lhe valia
Só três poetas descansaram
No final do segundo dia
Três poetas continuaram
A torre que superasse a de babel
Em pedantismo
Cada um se apoiava
Na língua do outro
Da maneira que mais lhe valia
Só dois poetas descansaram
No final do terceiro dia
Dois poetas continuaram
A torre que a de babel
Superasse em pedantismo
Cada um sujeitava
Sua língua à do outro
Da maneira que mais lhe valia
Só um poeta descansou
No final do quarto dia
Um poeta resolveu
Que sozinho não tinha força
Pra erguer uma torre que superasse
A de babel em pedantismo
Levantou as mãos ao céu
E encolheu-se na própria língua
Deus suspirou aliviado
No final do quinto dia.
MEU PÉ DE NUVEM
A flor do algodão
É linda
O algodoeiro todo
É lindo
Depois a flor seca
E vem o algodão
Depois o tempo
De separar
O fiapo do caroço
Depois é só tecer
A poesia
De colher o silêncio
Do algodão.
MIMESE
Evaporam-se minhas águas
Sem tic tac
Sem to be or not to be
Nem hipóteses
Do quanto das nuvens
É minha morte
Mas invejam os grãos
De areia
Na devoção à ampulheta.
PERFOMANCE
O poema me cutucou propício
Mal se fez a luz
Fomos os dois
Escolher a melhor esquina
Artista de rua todo mundo é
Alguma vez na vida
Não reconhecem
Como tais os mendigos
Esmola é uma exigência
No currículo dos íntegros
Se doo não me gabo
Se recebo não roubarei
Meu show é sentar
Com canequinha
Feito mudo pedinte
Servir de devoradora
De pecados
A um preço mínimo
Ah
E cortina a todo pano
Não pode faltar
Neste número metonímico.
Não serei poeta de um mundo caduco
Também não cantarei o mundo futuro
Minha vida por um fio
E meus contemporâneos
Estão equilibristas perseverantes
Entre eles considero
Dar de presente minhas mãos dadas
Sem lhes provocar precipício
Cantarei unicamente o amor pelos cactos
É meu vício este amor dolorido
É também gravidade que me impede
De ter mais com a lua
A metáfora nos cactos é minha matéria
Suas flores
Seus espinhos
A vida vaidosa prepotente eternamente efêmera.
CONVITE DRUMMONDIANO
Não ignoro
A pedra
No meio do caminho
.
Tento
Rolo a minha
Se não der conta
Dou-lhe asas
.
O importante
Não é o sacrifício
Mas tornar bem alta
A montanha!
DOS EXERCÍCIOS DE ESCREVER
Ante o poema-mendigo
Alguém a lhe garantir uma esmola
Durante a pressa da vida
Sem lhe cobrar um rosto
Ou motivo
Com isso o poema ganha o dia
E o poeta suspira aquele alívio
De quem confia plenamente
Na máscara que usa.
ÂNFORA
As palavras
Manipulam meu tempo
Durante o dia me remoçam
À noite me querem mística anciã
Não menos alquímica
A poesia doira meus pedestais
Manipula elementos
Nos motivos das lágrimas.
ANTES DA CONVERSA
Envelhecidas rotas posam
De souvenir
No bem que é confundir as memórias
Avizinhando-as ao que nunca
Foi dito
Assim evito
Que os distanciamentos
Milimetricamente calculados
Encontrem meu endereço.
POEMA PARA COLORIR
Vez em quando
Bate saudade
Dos amores partidos
Dei-lhes laços
Desataram-se
Foram se desenhar nas nuvens
Por isso tanto me flagram
Equilibrando a cabeça
Em linhas imaginárias
Imitando as pipas na alegria.
AOS OUVIDOS DO VENTO
Depois do adeus
Fica uma praia deserta
Boa de escrever
O que se esconde
No constrangimento
Do coração
É quando a gente
Entende a solidão
Do papel em branco
Doido por uma palavra.
MEMÓRIAS EM NÁCAR
Cantarolagem de mãe
Cerzindo filho
Quase não se quer sair do seu colo
Pensa-se
Que onda é música
Que rosa é nota em si maior
Que as flores sob o ipê são cantos
A léguas das sereias
Pensa-se
Que saudade é cantilena à vigília
Que solidão é dom
De quem nasceu incontido
Cantarolagem de mãe
Seus olhos espelhos cuidando
De narcisos.
A UNIVERSALIDADE DO RISCO
Quem atravessa
Um poema ao pé da letra
Arrisca-se a ser soletrado
Quem vai de cabra-cega
Arrisca-se a nunca mais
Ser encontrado
Eu costumo ir de camelo
Sem precisar de oásis
É que aprendi a transformar
Deserto em miragem.
AVIS RARA
Creio nas sete vidas do gato
Mas a vida da gente
Só dura uma sorte
Creio no ouro do gnomo
Mas a pobreza de espírito
É avareza dos homens
Creio no pé mágico de feijão
Mas gigante mesmo
Só a fome do mundo
Creio no rei na barriga
Mas é bobo da corte
Que reina os bobos
Creio no ovo e na galinha
Mas quem nasceu primeiro
Foi o sol.
VIAGEM AO CÉU EM CINCO DIAS
Cinco poetas resolveram
Construir uma torre
Que superasse a de babel
Em pedantismo
Cada um estalava
Sua língua sobre a do outro
Da maneira que mais lhe valia
Só quatro poetas descansaram
No final do primeiro dia
Quatro poetas continuaram
A torre que superasse a de babel
Em pedantismo
Cada um explorava
A língua do outro
Da maneira que mais lhe valia
Só três poetas descansaram
No final do segundo dia
Três poetas continuaram
A torre que superasse a de babel
Em pedantismo
Cada um se apoiava
Na língua do outro
Da maneira que mais lhe valia
Só dois poetas descansaram
No final do terceiro dia
Dois poetas continuaram
A torre que a de babel
Superasse em pedantismo
Cada um sujeitava
Sua língua à do outro
Da maneira que mais lhe valia
Só um poeta descansou
No final do quarto dia
Um poeta resolveu
Que sozinho não tinha força
Pra erguer uma torre que superasse
A de babel em pedantismo
Levantou as mãos ao céu
E encolheu-se na própria língua
Deus suspirou aliviado
No final do quinto dia.
MEU PÉ DE NUVEM
A flor do algodão
É linda
O algodoeiro todo
É lindo
Depois a flor seca
E vem o algodão
Depois o tempo
De separar
O fiapo do caroço
Depois é só tecer
A poesia
De colher o silêncio
Do algodão.
MIMESE
Evaporam-se minhas águas
Sem tic tac
Sem to be or not to be
Nem hipóteses
Do quanto das nuvens
É minha morte
Mas invejam os grãos
De areia
Na devoção à ampulheta.
PERFOMANCE
O poema me cutucou propício
Mal se fez a luz
Fomos os dois
Escolher a melhor esquina
Artista de rua todo mundo é
Alguma vez na vida
Não reconhecem
Como tais os mendigos
Esmola é uma exigência
No currículo dos íntegros
Se doo não me gabo
Se recebo não roubarei
Meu show é sentar
Com canequinha
Feito mudo pedinte
Servir de devoradora
De pecados
A um preço mínimo
Ah
E cortina a todo pano
Não pode faltar
Neste número metonímico.
Joelma Bittencourt é professora e poeta paraense, nascida em Inhangapi. Participou da antologia" Poesia de Ouro: 104 poemas garimpados nas redes sociais" (Ed. Penalux, 2018), publicou "A raiz da flor da pele" (Ed. Penalux, 2019), "Além zen"( Editora Camino 2021) além de possuir poemas publicados em livros de autores amigos.
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José Couto (Porto Alegre/RS). Professor e poeta brasileiro. É o autor de “A impermanência da escrita” (2010), “O soneto de Pandora” (2017) e “O unicórnio do sul e outras lendas poéticas” com ilustrações de Luiza Maciel Nogueira (2018). E dos inéditos “quase quasares” poesia,”Sete Cânticos Negros”, poesia, arte plástica e música, TOTEM (poesias a quatro mãos) com arte de Artur Madruga.
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