Poemas & Poetas indeléveis de 2021:
Lázara Papandrea
17 de dezembro de 2021
seleção de José Couto
por Lázara Papandrea
seleção de José Couto
por Lázara Papandrea
QUANDO VIER O AMOR
Quando vier o amor
Prepare fronhas macias, lençóis perfumados
Faça um chá de flor-de-laranjeira
Cosa um bordado de girassol para o vaso quebrado
Abra as cortinas pela manhã
Cuide do quarto , leve um café, uma maçã,
Arrume o sapato
Distribua pelas paredes quadros com muito verde
E um tapete azul como se fosse um lago
-porque um amor quando volta fica melancólico-
Volta vago,repleto de mágoas, tem distúrbios do sono
Cria crises, derrama lágrimas, não perde o foco
No abandono
-num descuido salta do vigésimo andar
E leva suas digitais como se delas fosse dono-
Quando vier o amor prepare-lhe bolo
E confetes como da primeira vez
Ou corte-lhe punhos e braços
Antes que venham as asas da lucidez
E o vazio seja, para todo o sempre, lugar de perdição.
Não se trata de elefantes e formigas,
Meu amor.
A sombra é sem tamanho só quando
Em plena luz.
Quando não se vai ao fundo
Qualquer lugar é razoável.
Não corramos o risco do ingênuo abismo
Nem sempre a ponte se faz necessária
O risco é relâmpago em noite de lua.
São seis da tarde.
Lobos rondam a varanda.
Experimenta o girassol.
Não te amarei por amares meu corpo,
Antes te amarei por saberes amar
Esta grave miopia nos meus lábios
E este estorvo de luar nos meus olhos
Não te amarei na carne, mas nos ossos
Da carne- nos mornos ossos da carne
Do silêncio que ainda não trocamos-
Não te amarei pelos anos, nem pelos séculos,
Nem pelos pecados ou pelos danos
Te amarei pelo improvável doce engano
Dos que amam, sem querer, um sonho
Sem livramentos.
Céu rasgado
Ossos rijos
Artérias quebradas
Em seus esconderijos
Faz tempo que o dia
Não começa sem sangue
Ou sacrifício.
O sangue do dia
Às vezes é azul e fresco
Feito água de bica
Noutras vezes,
Ele chega desmembrando-me
Da vida
Revirado em suas vísceras
Fratura exposta
Roído pelos ratos de outros dias;
Pedindo-me do pão
Que o diabo amassou
Nesses dias, não há remédio,
A não ser ofertar-lhe
Dos meus venenos
E chamá-lo amor.
De repente abril
A cobrir-me de versos
E de tardes pensativas
Eu vim pelo sol
Pela flor
Pela chuva
Pela mata nativa
Eu vim pela fatalidade
Da palavra viva
Da palavra vida
E descobri
Que não há palavra
Que disfarce estas rugas
-quase rusgas-
No céu de abril.
De repente abril
De múltiplas faces
Com suas fugas
E seus disfarces
De primavera
A passear pelo jardim
Da minha solidão
Como se me passeasse
Depois de longa espera
O amor de uma vida inteira.
De repente abril
Por ti
Por mim
Pelas estrelas
Perdido em poemas
Abril
Das tardes partidas
Partituras perdidas
Na música do tempo
De repente abril
E teus olhos fechados
E este não gosto de abril
Em minha boca
De outros pecados
De repente
Não chegas
Nem partes
Só jogas ao vento
Dos teus de repentes
Abril com suas tardes
[Compreendo
Que nem mesmo a flor de abril
Poderá prender-te
Aos meus olhos dormentes
Porque só eu prendi,
Só eu aprendi abril
Entre os dentes]
Teus olhos sobre a mesa
Em retalhos de macabros azuis
A flor do silêncio
Em náusea profunda
Nossa pele de gado marcada
A fogo e fadiga.
O liberalismo a comer-nos os rins com mexerica
Para disfarçar o cheiro podre da inocência.
São em dólares os sonhos
-e eu perdi o último esta noite, para uma desfaçatez-
Ninguém para dizer que a fuga não inocenta o mundo .
Ninguém para te dizer que tens o corpo em fatias.
Tudo é pecado.
Tudo é vetado.
Tudo é mercado.
Eros te desconhece.
Eros nos desconhece.
Resta-nos baco e o bafo desta noite sem fim
Onde ainda caos de estrelas
Nos acalentam
Houve antes, num outro tempo,
Uma vaga raiz que não encontrou
Chão
E virou essa flor de açafrão
Nos seus cabelos.
Te desejo dessas luas
Sem nome,
Que aplacam a fome
Das geleiras.
Te desejo desses rumos azuis,
Dessas videiras enroscadas
Aos muros do jardim.
Desses miosótis, tão jasmins ,
Nos olhos da tarde empassarada.
Te desejo desses saramentos,
Desses ritos,
Dessas emboscadas que o amor
Prepara para os escolhidos.
Amor, esta loucura
Que furta da tua boca
Uma fartura de uva
Estes quases nos teus olhos
Quebrando silêncios e mares
Este aquário de um peixe só
Vigiado por um gato faminto
De flor.
A flor nesse talo de abóbora
Nesse estalo de línguas e folhas
Meus beijos se tornaram bolhas
No orvalho que disseca sua roupa
Nunca fomos pouco
Só florescemos rasteiramente
Para que ninguém invejasse
Nossos corpos debulhados
Em sementes.
Gosto do anjo pornográfico
A cabeça dura
O peito magro
Uma abotoadura nas asas
E outra nas ancas
Dançando todas as cirandas que lhe são permitidas!
Bebo do azul do seu rosto
E nos tornamos, com gosto,
Um do outro
Não fosse o fosso na língua
Dos homens
Seríamos plenitude
GÓRGONAS
As de mim que não me entendem
Olham-me com seus olhos
Traiçoeiros de serpente, mas nem sempre mordem.
Elas sabem que tenho sede e não me dão de beber.
Elas sabem que tenho fome e não me dão de comer.
Elas sabem que tenho amor e não me dão de amar.
Elas sabem que sou lúcida e não me dão da loucura.
Só me alimentam de fiapos que não me curam
E nem me fazem crescer.
Jogam-me daqueles braços e daquelas cabeças
Que mergulham horizontes a buscar
Uma tarde ensandecida,
Um ontem esquecido em outra vida,
Uma manhã apinhada de sonhos,
Um princípio a que não se chega
-a não ser por um fim-
Jogam-me daqueles braços, dos quais não se pode partir,
Mesmo que se quebre os ossos em sua brancura de cera!
Dão-me fendas para espiar o céu, porque se sabem prisioneiras,
Mas não me dão do céu mais do que meia dúzia de estrelas!
As de mim que me matam
Acordam bêbadas e vão à feira, como se à sorte fossem,
Comprar-me a vida por um doce!
Depois da decepção amorosa
Elas procuravam a igreja
E ficavam presas à corrente
Do amém.
Por ver e não gostar
Fiz diferente: procurei as gaivotas – mesmo
Quando as tardes eram muito tristes-
Aprendi das estrelas a contar constelações,
Cuidei de saber o nome de umas flores
Roxas, que andavam a brotar pelos meus pés
Arregacei os olhos do dia e descobri
Pormenores desconhecidos na cacunda das formigas
Alisei um corpo-espinho no meu próprio corpo
E deixei o choro convulsivo lavar minha nudez
E quando veio a lua boa não tombei
-a loba me convenceu a gritar deformidades-
Ao final do ciclo eu tinha sido de mim mesma
Como nunca
E gostei de saber das minhas pernas
Dos meus braços
Dos meus olhos e do meu sexo.
Ativei umas palavras esquecidas
Deixei de ser a mulher que não falava cu e desobedeci
A minha própria dor.
Então, quando o amor voltou, antes de me lamber
Precisou reaprender açucarar o gozo nas minhas partes ósseas.
Naquele tempo a estrada azul
Ia dar no sagrado dos seus olhos
Domingueiros
Eu, sem lírios do campo ou flores de maio,
Ofertava-te meu silêncio sem reza.
Agora tenho dessa mácula de cílios nos lábios
E esse choro forte de jasmim que não venço
A estrada azul tem endereço que
Não seus olhos santificados
E me rendo a todo amor que alisei no colo
Para depois, e só depois, me acocorar num canto
Ruminando, rente ao solo, o pecado
-Alguém sabe e grita que oração é infinita cura
Mas em minha boca qualquer prece
Soa impura ou tem poder de espanto farto-
Tu que me ensinaste o céu
Afugenta a brasa, por favor!
Queimando só
Corro riscos de desamor
E nuvens.
Eu me rendo
Aos entãos
Dos seus nãos
Para que meus sins
Sejam sãos.
Dormi e sonhei que Riobaldo dizia a Diadorim: O coração, Diadorim, é o olho do pecado! É ele que vê de dentro a sangria, que sabe a nuvem, a poeira e o suor. É ele que mesmo quando sujo e assombrado adentra com as próprias pernas a casa da perdição, para daí se embrenhar em matagal sem fim. A única maneira de amansá-lo, o único chamamento, é a cantoria, Diadorim, a cantoria!
Tua língua
De chuva
Divulga-me a vulva
Quando as anáguas dos lírios cobrirem
A manhã e eu cavar do teu silêncio
A minha insanidade,
Já terá passado, deste tempo, o tempo de doer.
Então dos teus cabelos coserei um sol
Lilás
E plena de teus pedaços e fios e cores
Tecerei te outras manhãs.
No ar frio
A flor expõe
Seu sexo azul
Improvável não ouvir
O grito das violetas!
Quando é inverno
Nem todo jardim finita
Alguma flor há de mostrar as tetas
Ao dia
Alguma borboleta há de copular com o infinito
Alguma cor há de fazer bonito ao azul
Antes que o espinho frature
O ventre da rosa
E leve a singeleza
Da vida
No ar frio
A flor expõe seu sexo
Dessabida da esterilidade do amor!
Eu quero escrever e não posso.
Eu quero esquecer e não posso.
Só sei estender gravuras mortas
Sobre o pálido asfalto deste dia
De lamas e memórias de mar...
(eu queria amar, e não posso,
O mar,
Pai nosso.
Eu queria amar e não posso
Remapear o mar.
Eu quero
Eu queria
Rememorar o mar que amei
Azul
Sem lama
Sem tempo
Sem sal
Mas os lençóis de mar- que também sei céu e terra-
Estão sujos de lama e não há mais ouro nem janelas.
Nem há cama, Mariana, para deitar os mortos
Das pálidas gravuras, que estendo sobre o chão do seu quarto
Minguante de amor.
CONSENTIMENTOS
Eu deixei
Que me moesses os ossos,
Que me roesses as unhas,
Que me concedesses silêncios
E de mim fizesses planuras.
Eu deixei que me falasses às alturas
Mas não deixo que me tires dos olhos
A mistura dos azuis que inventei!
Lavo meus olhos
Nos teus mistérios
E sem nenhum critério
Despejo a água suja
Aos pássaros, no telhado
O mundo olha-me sério
Mas...o mundo foi desacreditado.
-E do engodo desta vida
Eu recolho meu milésimo pecado-
A rua é tão suja
-E imundo é o alambrado-
Pastam pelas avenidas os quadrúpedes insensatos
Deste século.
Gado, gado, gado...
-Eu mesma replico o eco!
Não há mais árvores
Nem insetos vivos
A podridão invadiu o caule das plantas
E destruiu a planta dos livros
Nos meus olhos, umas tantas mariposas
-de arquivo-
Ainda soluçam paraísos perdidos
Lavo estes olhos nos teus mistérios
E os mantenho límpidos
Mas... a rua é tão suja!
O mundo é tão sujo!
Fujo, fujo, fujo
Sem vento
Sem alívio.
Tapo o ouvido ao eco
Que me persegue
Mal posso abanar um leque
À tarde que urge.
No cadafalso
O poema geme
O poema treme
O poema ruge!
Vida, vida, vida
Só tu sabes onde eu não fui!
DAS POSSIBILIDADES
É possível
Que eu me apague
Dos olhos
Desta tarde apinhada de cigarras.
E que nesta noite
A lua seja pouca
Para iluminar a casa.
É possível
Que esta cantoria se perca
Na algazarra branca
Das garças que deslizam
Poeira e rios
Em verões de querer mar.
É possível que o encanto
Me seja barro.
Que o vazio
Perdure na ensolarada planície.
E que eu fique
Com um disse que não me disse
Bordado à boca.
É possível que a oca flor
De outro dia
Salte a dor,
E ainda frígida,
Aprenda a se arriscar ao sol.
É possível que eu suporte
Deslizar meus dedos
Por estes pássaros
Feridos a anzol.
E que o mel azul do corpo do ar
Venha a amarelecer o sexo
Das açucenas, sem borrar
O plácido da noite inevitável.
É possível ainda
Que nada aconteça.
E que eu chore este inseto
Morto de polém,
Inerte sobre a mesa,
No seu fingimento de vida,
Como se derramasse
Sobre parco fio de luz, o choro
De tudo que sempre me chegou tarde!
Quando vier o amor
Prepare fronhas macias, lençóis perfumados
Faça um chá de flor-de-laranjeira
Cosa um bordado de girassol para o vaso quebrado
Abra as cortinas pela manhã
Cuide do quarto , leve um café, uma maçã,
Arrume o sapato
Distribua pelas paredes quadros com muito verde
E um tapete azul como se fosse um lago
-porque um amor quando volta fica melancólico-
Volta vago,repleto de mágoas, tem distúrbios do sono
Cria crises, derrama lágrimas, não perde o foco
No abandono
-num descuido salta do vigésimo andar
E leva suas digitais como se delas fosse dono-
Quando vier o amor prepare-lhe bolo
E confetes como da primeira vez
Ou corte-lhe punhos e braços
Antes que venham as asas da lucidez
E o vazio seja, para todo o sempre, lugar de perdição.
Não se trata de elefantes e formigas,
Meu amor.
A sombra é sem tamanho só quando
Em plena luz.
Quando não se vai ao fundo
Qualquer lugar é razoável.
Não corramos o risco do ingênuo abismo
Nem sempre a ponte se faz necessária
O risco é relâmpago em noite de lua.
São seis da tarde.
Lobos rondam a varanda.
Experimenta o girassol.
Não te amarei por amares meu corpo,
Antes te amarei por saberes amar
Esta grave miopia nos meus lábios
E este estorvo de luar nos meus olhos
Não te amarei na carne, mas nos ossos
Da carne- nos mornos ossos da carne
Do silêncio que ainda não trocamos-
Não te amarei pelos anos, nem pelos séculos,
Nem pelos pecados ou pelos danos
Te amarei pelo improvável doce engano
Dos que amam, sem querer, um sonho
Sem livramentos.
Céu rasgado
Ossos rijos
Artérias quebradas
Em seus esconderijos
Faz tempo que o dia
Não começa sem sangue
Ou sacrifício.
O sangue do dia
Às vezes é azul e fresco
Feito água de bica
Noutras vezes,
Ele chega desmembrando-me
Da vida
Revirado em suas vísceras
Fratura exposta
Roído pelos ratos de outros dias;
Pedindo-me do pão
Que o diabo amassou
Nesses dias, não há remédio,
A não ser ofertar-lhe
Dos meus venenos
E chamá-lo amor.
De repente abril
A cobrir-me de versos
E de tardes pensativas
Eu vim pelo sol
Pela flor
Pela chuva
Pela mata nativa
Eu vim pela fatalidade
Da palavra viva
Da palavra vida
E descobri
Que não há palavra
Que disfarce estas rugas
-quase rusgas-
No céu de abril.
De repente abril
De múltiplas faces
Com suas fugas
E seus disfarces
De primavera
A passear pelo jardim
Da minha solidão
Como se me passeasse
Depois de longa espera
O amor de uma vida inteira.
De repente abril
Por ti
Por mim
Pelas estrelas
Perdido em poemas
Abril
Das tardes partidas
Partituras perdidas
Na música do tempo
De repente abril
E teus olhos fechados
E este não gosto de abril
Em minha boca
De outros pecados
De repente
Não chegas
Nem partes
Só jogas ao vento
Dos teus de repentes
Abril com suas tardes
[Compreendo
Que nem mesmo a flor de abril
Poderá prender-te
Aos meus olhos dormentes
Porque só eu prendi,
Só eu aprendi abril
Entre os dentes]
Teus olhos sobre a mesa
Em retalhos de macabros azuis
A flor do silêncio
Em náusea profunda
Nossa pele de gado marcada
A fogo e fadiga.
O liberalismo a comer-nos os rins com mexerica
Para disfarçar o cheiro podre da inocência.
São em dólares os sonhos
-e eu perdi o último esta noite, para uma desfaçatez-
Ninguém para dizer que a fuga não inocenta o mundo .
Ninguém para te dizer que tens o corpo em fatias.
Tudo é pecado.
Tudo é vetado.
Tudo é mercado.
Eros te desconhece.
Eros nos desconhece.
Resta-nos baco e o bafo desta noite sem fim
Onde ainda caos de estrelas
Nos acalentam
Houve antes, num outro tempo,
Uma vaga raiz que não encontrou
Chão
E virou essa flor de açafrão
Nos seus cabelos.
Te desejo dessas luas
Sem nome,
Que aplacam a fome
Das geleiras.
Te desejo desses rumos azuis,
Dessas videiras enroscadas
Aos muros do jardim.
Desses miosótis, tão jasmins ,
Nos olhos da tarde empassarada.
Te desejo desses saramentos,
Desses ritos,
Dessas emboscadas que o amor
Prepara para os escolhidos.
Amor, esta loucura
Que furta da tua boca
Uma fartura de uva
Estes quases nos teus olhos
Quebrando silêncios e mares
Este aquário de um peixe só
Vigiado por um gato faminto
De flor.
A flor nesse talo de abóbora
Nesse estalo de línguas e folhas
Meus beijos se tornaram bolhas
No orvalho que disseca sua roupa
Nunca fomos pouco
Só florescemos rasteiramente
Para que ninguém invejasse
Nossos corpos debulhados
Em sementes.
Gosto do anjo pornográfico
A cabeça dura
O peito magro
Uma abotoadura nas asas
E outra nas ancas
Dançando todas as cirandas que lhe são permitidas!
Bebo do azul do seu rosto
E nos tornamos, com gosto,
Um do outro
Não fosse o fosso na língua
Dos homens
Seríamos plenitude
GÓRGONAS
As de mim que não me entendem
Olham-me com seus olhos
Traiçoeiros de serpente, mas nem sempre mordem.
Elas sabem que tenho sede e não me dão de beber.
Elas sabem que tenho fome e não me dão de comer.
Elas sabem que tenho amor e não me dão de amar.
Elas sabem que sou lúcida e não me dão da loucura.
Só me alimentam de fiapos que não me curam
E nem me fazem crescer.
Jogam-me daqueles braços e daquelas cabeças
Que mergulham horizontes a buscar
Uma tarde ensandecida,
Um ontem esquecido em outra vida,
Uma manhã apinhada de sonhos,
Um princípio a que não se chega
-a não ser por um fim-
Jogam-me daqueles braços, dos quais não se pode partir,
Mesmo que se quebre os ossos em sua brancura de cera!
Dão-me fendas para espiar o céu, porque se sabem prisioneiras,
Mas não me dão do céu mais do que meia dúzia de estrelas!
As de mim que me matam
Acordam bêbadas e vão à feira, como se à sorte fossem,
Comprar-me a vida por um doce!
Depois da decepção amorosa
Elas procuravam a igreja
E ficavam presas à corrente
Do amém.
Por ver e não gostar
Fiz diferente: procurei as gaivotas – mesmo
Quando as tardes eram muito tristes-
Aprendi das estrelas a contar constelações,
Cuidei de saber o nome de umas flores
Roxas, que andavam a brotar pelos meus pés
Arregacei os olhos do dia e descobri
Pormenores desconhecidos na cacunda das formigas
Alisei um corpo-espinho no meu próprio corpo
E deixei o choro convulsivo lavar minha nudez
E quando veio a lua boa não tombei
-a loba me convenceu a gritar deformidades-
Ao final do ciclo eu tinha sido de mim mesma
Como nunca
E gostei de saber das minhas pernas
Dos meus braços
Dos meus olhos e do meu sexo.
Ativei umas palavras esquecidas
Deixei de ser a mulher que não falava cu e desobedeci
A minha própria dor.
Então, quando o amor voltou, antes de me lamber
Precisou reaprender açucarar o gozo nas minhas partes ósseas.
Naquele tempo a estrada azul
Ia dar no sagrado dos seus olhos
Domingueiros
Eu, sem lírios do campo ou flores de maio,
Ofertava-te meu silêncio sem reza.
Agora tenho dessa mácula de cílios nos lábios
E esse choro forte de jasmim que não venço
A estrada azul tem endereço que
Não seus olhos santificados
E me rendo a todo amor que alisei no colo
Para depois, e só depois, me acocorar num canto
Ruminando, rente ao solo, o pecado
-Alguém sabe e grita que oração é infinita cura
Mas em minha boca qualquer prece
Soa impura ou tem poder de espanto farto-
Tu que me ensinaste o céu
Afugenta a brasa, por favor!
Queimando só
Corro riscos de desamor
E nuvens.
Eu me rendo
Aos entãos
Dos seus nãos
Para que meus sins
Sejam sãos.
Dormi e sonhei que Riobaldo dizia a Diadorim: O coração, Diadorim, é o olho do pecado! É ele que vê de dentro a sangria, que sabe a nuvem, a poeira e o suor. É ele que mesmo quando sujo e assombrado adentra com as próprias pernas a casa da perdição, para daí se embrenhar em matagal sem fim. A única maneira de amansá-lo, o único chamamento, é a cantoria, Diadorim, a cantoria!
Tua língua
De chuva
Divulga-me a vulva
Quando as anáguas dos lírios cobrirem
A manhã e eu cavar do teu silêncio
A minha insanidade,
Já terá passado, deste tempo, o tempo de doer.
Então dos teus cabelos coserei um sol
Lilás
E plena de teus pedaços e fios e cores
Tecerei te outras manhãs.
No ar frio
A flor expõe
Seu sexo azul
Improvável não ouvir
O grito das violetas!
Quando é inverno
Nem todo jardim finita
Alguma flor há de mostrar as tetas
Ao dia
Alguma borboleta há de copular com o infinito
Alguma cor há de fazer bonito ao azul
Antes que o espinho frature
O ventre da rosa
E leve a singeleza
Da vida
No ar frio
A flor expõe seu sexo
Dessabida da esterilidade do amor!
Eu quero escrever e não posso.
Eu quero esquecer e não posso.
Só sei estender gravuras mortas
Sobre o pálido asfalto deste dia
De lamas e memórias de mar...
(eu queria amar, e não posso,
O mar,
Pai nosso.
Eu queria amar e não posso
Remapear o mar.
Eu quero
Eu queria
Rememorar o mar que amei
Azul
Sem lama
Sem tempo
Sem sal
Mas os lençóis de mar- que também sei céu e terra-
Estão sujos de lama e não há mais ouro nem janelas.
Nem há cama, Mariana, para deitar os mortos
Das pálidas gravuras, que estendo sobre o chão do seu quarto
Minguante de amor.
CONSENTIMENTOS
Eu deixei
Que me moesses os ossos,
Que me roesses as unhas,
Que me concedesses silêncios
E de mim fizesses planuras.
Eu deixei que me falasses às alturas
Mas não deixo que me tires dos olhos
A mistura dos azuis que inventei!
Lavo meus olhos
Nos teus mistérios
E sem nenhum critério
Despejo a água suja
Aos pássaros, no telhado
O mundo olha-me sério
Mas...o mundo foi desacreditado.
-E do engodo desta vida
Eu recolho meu milésimo pecado-
A rua é tão suja
-E imundo é o alambrado-
Pastam pelas avenidas os quadrúpedes insensatos
Deste século.
Gado, gado, gado...
-Eu mesma replico o eco!
Não há mais árvores
Nem insetos vivos
A podridão invadiu o caule das plantas
E destruiu a planta dos livros
Nos meus olhos, umas tantas mariposas
-de arquivo-
Ainda soluçam paraísos perdidos
Lavo estes olhos nos teus mistérios
E os mantenho límpidos
Mas... a rua é tão suja!
O mundo é tão sujo!
Fujo, fujo, fujo
Sem vento
Sem alívio.
Tapo o ouvido ao eco
Que me persegue
Mal posso abanar um leque
À tarde que urge.
No cadafalso
O poema geme
O poema treme
O poema ruge!
Vida, vida, vida
Só tu sabes onde eu não fui!
DAS POSSIBILIDADES
É possível
Que eu me apague
Dos olhos
Desta tarde apinhada de cigarras.
E que nesta noite
A lua seja pouca
Para iluminar a casa.
É possível
Que esta cantoria se perca
Na algazarra branca
Das garças que deslizam
Poeira e rios
Em verões de querer mar.
É possível que o encanto
Me seja barro.
Que o vazio
Perdure na ensolarada planície.
E que eu fique
Com um disse que não me disse
Bordado à boca.
É possível que a oca flor
De outro dia
Salte a dor,
E ainda frígida,
Aprenda a se arriscar ao sol.
É possível que eu suporte
Deslizar meus dedos
Por estes pássaros
Feridos a anzol.
E que o mel azul do corpo do ar
Venha a amarelecer o sexo
Das açucenas, sem borrar
O plácido da noite inevitável.
É possível ainda
Que nada aconteça.
E que eu chore este inseto
Morto de polém,
Inerte sobre a mesa,
No seu fingimento de vida,
Como se derramasse
Sobre parco fio de luz, o choro
De tudo que sempre me chegou tarde!
Lázara Papandrea nasceu em Pouso Alegre, Minas Gerais, e vive atualmente em Juiz de Fora. Formada em História e pós-graduada em Teoria Literária. Publicou em 2016 pela Penalux o livro de poesia Tudo é Beija-Flor. Escreve no blog www.vestesdepalavras.blogspot.com
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José Couto (Porto Alegre/RS). Professor e poeta brasileiro. É o autor de “A impermanência da escrita” (2010), “O soneto de Pandora” (2017) e “O unicórnio do sul e outras lendas poéticas” com ilustrações de Luiza Maciel Nogueira (2018). E dos inéditos “quase quasares” poesia,”Sete Cânticos Negros”, poesia, arte plástica e música, TOTEM (poesias a quatro mãos) com arte de Artur Madruga.
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