Livros que li e indico, alguns resenhados
15 de dezembro de 2021
por Adriane Garcia
por Adriane Garcia
Hora daquela listinha de fim de ano. Livros que li e indico. Estão mais ou menos na ordem de leitura. Queria ter lido mais, mas a vida de proletária não deixa. Ano que vem tem mais. Os livros com comentários estão resenhados, link direto para resenha sobre o título.
1. Ao mesmo tempo, de Susan Sontag
trad. de Rubens Figueiredo (Cia das Letras) ensaio
Ativista dos direitos humanos, a escritora critica a política imperialista de seu país e repudia veementemente o tratamento degradante praticado por militares norte-americanos contra os presos, inclusive em territórios estrangeiros, como as torturas denunciadas na prisão de Abu Ghraib, sob a desculpa de “combate ao terrorismo”.
Em Ao mesmo tempo é possível perceber que Sontag lamenta não ter escrito mais ficção, ocupando grande parte da sua produção com a escrita ensaística, mas considera uma obrigação ética divulgar a literatura dos outros e expandir seu alcance – é também uma ativista literária. Neste livro, debruça-se sobre romances como Embaixo da geleira, de Halldór Laxness ou Artemisia, de Anna Banti, enquanto pensa o papel da escrita e seu alcance, a ética e a estética, a obrigação da verdade como um norteador, tecendo uma homenagem à própria literatura, que ela define como um exercício de liberdade.
2. O oráculo da noite, de Sidarta Ribeiro
(Cia das Letras) psicanálise/neurologia
3. Objeto ar, de Débora Gil Pantaleão
(Escaleras) poesia
4. Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, de Clarice Lispector
(Rocco) romance
5. Gravidade, de Ellen Maria Vasconcellos
(Patuá) poesia
6. Papel Loophardo, de Andréia Carvalho Gavita
(Marianas Edições) poesia
7. Explorações cardiomitológicas, de Isadora Krieger
(Editora da Casa) poesia
8. A liturgia do tempo e outros silêncios, de Wanda Monteiro
(Patuá) poesia
9. Jamais peço desculpas por me derramar, de Ryane Leão
(Planeta) poesia
10. Saberes da floresta, de Márcia Wayna Kambeba
(Jandaíra) poesia
11. Interiorana, de Nívea Sabino
(Padê Editorial) poesia
12. Vermelho fogo, de Regina Azevedo
(Offset Editora) poesia
13. Solo para Vialejo, de Cida Pedrosa
(CEPE) poesia
14. Heroínas negras brasileiras, de Jarid Arraes
(Cia das Letras) poesia
15. Literatura, um território contestado, de Regina Dalcastagnè
(Horizonte) crítica literária
16. Orlando, de Virginia Woolf, trad. de Laura Alves
(Saraiva) romance
Inspirado na vida da amante de Virginia, Vita Sackville-West, escritora aristocrata que mantinha um casamento aberto e alguns relacionamentos amorosos com mulheres, Orlando traça um jogo geográfico de atravessar fronteiras, espaços, países, e também faz a travessia do próprio corpo, entrando em outra condição corporal. A reflexão, que ultrapassa os pensamentos sobre o travestismo (pois também o efeito das roupas, determinadas para cada sexo é objeto de análise por Orlando), nos conta de alegrias e sofrimentos, de adequações e inadequações que envolvem o comportamento de gênero definido por papéis que não consideram cada sujeito. Lady Orlando sabe que não pode mais falar alto, não pode brigar, não pode sequer receber sua própria herança, não pode matar, não pode deixar os tornozelos à mostra. O assédio e a violência sexual a espreitam, agora que ela usa uma saia.
17. Por uma crítica feminista, de Euridice Figueiredo
(Zouk) crítica literária
18. O coração pensa constantemente, de Rosângela Vieira Rocha
(Arribaçã) romance
O coração pensa constantemente é um romance sensível, bonito, complexo, simples, que utiliza a palavra para fazer um balanço diante da morte de um ser amado. Não há esperanças teológicas, metafísicas, crenças além-túmulo, fugas infantis. Há o vivido-revivido, a imortalidade do registro, a homenagem do amor dito e redito. Também não há a ingenuidade e a hipocrisia do senso-comum, que negam que o coração possa pensar de modo “negativo”. O coração é o primogênito de nossos órgãos, primeiro a se formar no útero e munido de sua própria rede de milhares de neurônios. O coração pensa, constantemente. Pela janela, no auge da doença, depois de tossir muito, Rubi olha e pronuncia sobre a vida: “Então era isso? Só isso?”
19. O sentido e o fim, de Mike Sullivan
(Reformatório) contos
O sentido e o fim nos faz refletir, leva-nos ao encontro do outro, aproxima-nos de personagens que falam de vida e de morte, rodeados que estamos por ela, ainda mais a partir do ano de publicação do livro, 2020, quando a pandemia do Coronavírus assola o mundo e particularmente o Brasil, com seu governo aliado da mortandade. Claro, o fim é a morte, mas o sentido – Mike Sullivan o afirma no desejo de seus personagens – é o amor.
20. Rotina dos ossos, de Fabíola Mazzini Leone
(Cousa) poesia
21. O complexo fraterno, de Luis Kancyper, trad. Julio Noto
(Blucher) psicnálise
22. Luto e melancolia, de Freud, trad. de Paulo César de Souza
(Cia das Letras) psicanálise
23. Fundamentos de Psicanálise, de Freud a Lacan, de Marco Antônio Coutinho Jorge
(Cia das Letras) psicnálise
24. Amor, culpa e reparação, de Melanie Klein e Joan Riviere, trad. de Maria Helena Senise
(Imago) psicanálise
25. Invisíveis cotidianos, de Carlos Orfeu
(Patuá) poesia
Já nas duas epígrafes escolhidas, uma de Josoaldo Lima Rêgo e outra de Gaston Bachelard, o poeta Carlos Orfeu nos avisa que em seu Invisíveis cotidianos estaremos diante do avesso das coisas. Nesse livro, os poemas centram-se preferencialmente nas imagens de objetos, pequenos seres, jogando luz (por sinal, a luz é uma das coisas muito observadas) sobre aquilo que nos passa despercebido, entre normal e banal. É a partir de duas figuras de linguagem em especial, amplamente usadas na construção dos seus poemas, as analogias e as metáforas, que o poeta ilumina o que há do outro lado, como quem nos auxilia a entrar na realidade paralela das existências do aparentemente inanimado ou insignificante.
26. Cartas a um jovem terapeuta, de Contardo Calligaris
(Planeta) psicanálise
27. Filicídio, de Arnald Raskovsky, trad. de Paulo Sternick e Tite de Lemos
(Artenova) psicanálise
28. O gato da árvore dos desejos, de Tadeu Sarmento
(Lê) literatura para a infância
29. A morte de um caixeiro Viajante, de Arthur Miller, trad. José Rubens Siqueira
(Cia das Letras) dramaturgia
30. Mapas para desaparecer, de Nara Vidal
(Faria e Silva) Contos
É ainda de se notar que Nara Vidal escreveu um livro que fala do desaparecimento em plena época de excesso de aparição. Uma época em que a esperança foi tocada de forma vertiginosa e encontra-se ferida, pois hoje não é somente um novo modo de vida, de sistema econômico, de sentido existencial que buscamos, mas novas formas urgentes de nos relacionarmos com um planeta estafado da raça humana. Se o que há de mais certo é o nosso desaparecimento – metafórico e real – Nara Vidal, ao escrever sobre ele, de certa forma, está falando também do desaparecimento de si e da sua obra.
31. A mulher submersa, de Mar Becker Becker (Urutau) poesia
A mulher submersa fala de uma mulher escondida que pode vir à tona a qualquer momento, uma mulher prestes a se mostrar inteira. Uma Atlântida procurando, ela mesma, a sua localização concreta.
32. Quênia, poemas de viagem, de Michaela Schmaedel
(Cas'a) poesia
Em Quênia, a espacialidade, a distância tomada pelo eu-lírico, resultam numa prospecção. Vê-se de longe e de perto, para frente e para trás, coletivamente e individualmente. O eu-lírico também fala de suas dores pessoais: “No lugar da caça/ do bicho quase não vivo/ na savana das presas/ me encontro.” É neste lugar da perda que ele se identifica. O ser humano olha para si, olha para os outros seres e se dá conta do que lhe falta, seja o capim mais verde, a pessoa amada na penumbra ou mesmo um sentimento que o una aos outros.
33. Como usar um pesadelo, de Bruno Ribeiro
(Caos & Letras) contos
Como usar um pesadelo traz críticas sociais, políticas e existenciais implícitas. Os pesadelos selecionados mostram um mundo assolado pelo desequilíbrio, pelos transtornos mentais, pelo mau caratismo, pela busca do sucesso propagandeada pelos coachs, pela terra arrasada em que as ervas-daninhas da autoajuda, essa nova roupagem do charlatanismo, encontra para se alastrar; o sadomasoquismo das relações, a violência e a tortura como soluções políticas, findando assim toda a política.
34. A interpretação dos sonhos, de Freud, trad. de Paulo César de Souza
(Cia das Letras) psicanálise
35. O Ausente, de Edimilson De Almeida Pereira
(Relicário) romance
O Ausente, romance que integra a trilogia Náusea, de Edimilson de Almeida Pereira, conta a história de Inocêncio, um homem que vive no meio rural e se torna o rezador e o curandeiro de sua comunidade por predestinação. Durante os partos, raramente acontece de o bebê nascer envolto pelo saco amniótico e, em alguns lugares diversos do mapa, desde épocas remotas, o fato é compreendido como um sinal de proteção especial, resultando em um símbolo de sorte ou da marca inescapável de curar. Inocêncio é um empelicado.
36. O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk
(Cia das Letras) romance
Inteligente e emocionante, “O som do rugido da onça”, romance de Micheliny Verunschk, compõe (recompõe) uma história para Iñe-e e Juri, duas crianças indígenas sequestradas/traficadas pelos cientistas Spix e Martius, na missão científico-cultural realizada pelos naturalistas bávaros entre os anos de 1818 e 1821. Em uma terrível viagem de navio, que lembra também o horror dos tumbeiros, algumas crianças, entre elas a menina-onça do povo Miranha e o menino-peixe do povo Juri, são levadas até Munique para estudos e exibição na corte de Maximilian Joseph I.
37. Sacrifício e outros contos, de Francisco De Morais Mendes
(Jaguatirica) contos
No conto Sacrifício, que dá nome ao livro, uma situação absolutamente absurda – achar dinheiro nas ruas a vida toda – ganha verossimilhança na habilidade do autor. A leitura nos encaminha para a empatia com o protagonista, Marcial. A surrealidade da história nos comove porque Marcial tem sua humanidade tocada pelo destino, do qual não consegue fugir. Será crime achar objetos perdidos e não devolver? A quem acha tanto e não devolve só resta a lavagem de dinheiro? A metáfora para o trabalho cria a equivalência de rebaixar-se, fazer sacrifício, aproximando-o da raiz da palavra “Tripalium”, tortura. Em Sacrifício, uma situação que causaria inveja a qualquer um na vida real, ao contrário, faz com que nós a rejeitemos; não queremos a solidão e o vazio de Marcial, recusamos a sua boa sorte.
38. As meninas, de Lygia Fagundes Telles
(Cia das Letras) romance
39. Nem sinal de asas, de Marcela Dantés
(Patuá) romance
O romance Nem sinal de asas, de Marcela Dantés apresenta-nos um corpo incorrupto, o de Anja Santiago, encontrado cinco anos após sua morte, dentro do apartamento. É a partir do leilão do imóvel, de herança vacante, que já desconfiamos que essa mulher tão anônima não tem ninguém e, assim, ninguém deu por sua falta. Ela foi encontrada por motivos econômicos: seu dinheiro no banco cessou e o débito automático das contas não se fez mais possível. Somente quando os credores deram falta do dinheiro de Anja, ela foi procurada.
40. Criogenia de D. ou manifesto pelos prazeres perdidos, de Leonardo Valente
(Mondrongo) romance
De D. não sabemos se é homem, se é mulher, se é cis, trans, se é hétero ou homossexual, não temos qualquer definição nesse sentido. Também não sabemos com o que trabalha, ou seja, não é uma pessoa definida pelo que faz dentro da cadeia produtiva. Sabemos que é uma pessoa, é o que importa, e essa é uma das características mais marcantes nesse romance, dar-nos a perceber que as situações vividas, as emoções narradas poderiam se passar com qualquer ser humano, sem precisar que seja definido um grupo sexual, um gênero ou uma profissão. E mais, como o texto nos convence, seja qual for a maior identificação de gênero que façamos da personagem, o autor acaba por mostrar, de modo eficiente, que a verossimilhança com relação a uma personagem não precisa depender necessariamente de qualquer afiliação, característica ou orientação da autoria. Nesse sentido, Criogenia de D. ou manifesto pelos prazeres perdidos é também um livro que se destaca nos debates sobre lugar de fala e criação.
41. Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex
(Geração Editorial) ensaios
42. A origem da água, de Ana Cristina Braga Martes
(Confraria do vento) romance
Com uma linguagem fluida e, ao mesmo tempo, requintada, Ana Cristina Braga Martes retrata a loucura para além dos seus clichês, sua personagem nos leva à vida pulsante de uma mulher que lê, que escreve, que quer romper tabus impostos pelo machismo, que questiona o mundo e ousa ser sincera, como talvez somente os “loucos” possam ser, em uma sociedade que, como já nos foi alertado por Freud, só pode ser hipócrita, em resposta às altas exigências de uma moralidade que está muito além do que o indivíduo pode dar sem pagar com seu adoecimento.
43. O eu e o Id, autobiografia e outros textos, de Freud, trad. de Paulo César de Souza
(Cia das Letras) psicanálise
44. Quarto de despejo, Carolina Maria de Jesus
(Ática) diário
45. A lagarta e a cobra, de Ana Carolina Neves
(Crivo editorial) literatura para a infância
46. Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo, de Élisabeth Roudinesco, trad. André Telles
(Zahar) biografia
47. O olho mais azul, de Toni Morrison, trad. Manoel Paulo Ferreira
(Cia das letras) romance
48. Ester ou Antígona, de Tadeu Sarmento
(Uboro Lopes) romance
49. A filha primitiva, de Vanessa Passos
(Amazon Kindle) romance
Vanessa passos, ao escrever A filha primitiva, utiliza uma linguagem direta, frases curtas, com uma certa dureza que junta tema e forma. É um livro que nos mostra como é fácil culpar a mãe, culpar mulheres em um mundo feito contra elas, mas também mostra o esforço para superar a incomunicabilidade. Talvez, entre a mãe e a filha, um abraço possa servir como a língua universal quando o idioma – diga-se materno – falha.
50. A teoria da felicidade, de Kátia Borges
(Patuá) crônicas
Gênero muitas vezes subestimado, a crônica bem escrita é capaz de nos alertar, nos encantar, nos emocionar. É o que acontece no livro A teoria da felicidade, de Kátia Borges, no qual a jornalista, poeta e prosadora consegue unir características dos textos dessas três atividades para compor crônicas tomadas de inteligência, capacidade de comunicação, sensibilidade e beleza.
51. Rondó, de Sonia Sant'Anna
(Penalux) contos
52. Máquina, de Eleazar Venancio Carrias
(no prelo) poesia
1. Ao mesmo tempo, de Susan Sontag
trad. de Rubens Figueiredo (Cia das Letras) ensaio
Ativista dos direitos humanos, a escritora critica a política imperialista de seu país e repudia veementemente o tratamento degradante praticado por militares norte-americanos contra os presos, inclusive em territórios estrangeiros, como as torturas denunciadas na prisão de Abu Ghraib, sob a desculpa de “combate ao terrorismo”.
Em Ao mesmo tempo é possível perceber que Sontag lamenta não ter escrito mais ficção, ocupando grande parte da sua produção com a escrita ensaística, mas considera uma obrigação ética divulgar a literatura dos outros e expandir seu alcance – é também uma ativista literária. Neste livro, debruça-se sobre romances como Embaixo da geleira, de Halldór Laxness ou Artemisia, de Anna Banti, enquanto pensa o papel da escrita e seu alcance, a ética e a estética, a obrigação da verdade como um norteador, tecendo uma homenagem à própria literatura, que ela define como um exercício de liberdade.
2. O oráculo da noite, de Sidarta Ribeiro
(Cia das Letras) psicanálise/neurologia
3. Objeto ar, de Débora Gil Pantaleão
(Escaleras) poesia
4. Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, de Clarice Lispector
(Rocco) romance
5. Gravidade, de Ellen Maria Vasconcellos
(Patuá) poesia
6. Papel Loophardo, de Andréia Carvalho Gavita
(Marianas Edições) poesia
7. Explorações cardiomitológicas, de Isadora Krieger
(Editora da Casa) poesia
8. A liturgia do tempo e outros silêncios, de Wanda Monteiro
(Patuá) poesia
9. Jamais peço desculpas por me derramar, de Ryane Leão
(Planeta) poesia
10. Saberes da floresta, de Márcia Wayna Kambeba
(Jandaíra) poesia
11. Interiorana, de Nívea Sabino
(Padê Editorial) poesia
12. Vermelho fogo, de Regina Azevedo
(Offset Editora) poesia
13. Solo para Vialejo, de Cida Pedrosa
(CEPE) poesia
14. Heroínas negras brasileiras, de Jarid Arraes
(Cia das Letras) poesia
15. Literatura, um território contestado, de Regina Dalcastagnè
(Horizonte) crítica literária
16. Orlando, de Virginia Woolf, trad. de Laura Alves
(Saraiva) romance
Inspirado na vida da amante de Virginia, Vita Sackville-West, escritora aristocrata que mantinha um casamento aberto e alguns relacionamentos amorosos com mulheres, Orlando traça um jogo geográfico de atravessar fronteiras, espaços, países, e também faz a travessia do próprio corpo, entrando em outra condição corporal. A reflexão, que ultrapassa os pensamentos sobre o travestismo (pois também o efeito das roupas, determinadas para cada sexo é objeto de análise por Orlando), nos conta de alegrias e sofrimentos, de adequações e inadequações que envolvem o comportamento de gênero definido por papéis que não consideram cada sujeito. Lady Orlando sabe que não pode mais falar alto, não pode brigar, não pode sequer receber sua própria herança, não pode matar, não pode deixar os tornozelos à mostra. O assédio e a violência sexual a espreitam, agora que ela usa uma saia.
17. Por uma crítica feminista, de Euridice Figueiredo
(Zouk) crítica literária
18. O coração pensa constantemente, de Rosângela Vieira Rocha
(Arribaçã) romance
O coração pensa constantemente é um romance sensível, bonito, complexo, simples, que utiliza a palavra para fazer um balanço diante da morte de um ser amado. Não há esperanças teológicas, metafísicas, crenças além-túmulo, fugas infantis. Há o vivido-revivido, a imortalidade do registro, a homenagem do amor dito e redito. Também não há a ingenuidade e a hipocrisia do senso-comum, que negam que o coração possa pensar de modo “negativo”. O coração é o primogênito de nossos órgãos, primeiro a se formar no útero e munido de sua própria rede de milhares de neurônios. O coração pensa, constantemente. Pela janela, no auge da doença, depois de tossir muito, Rubi olha e pronuncia sobre a vida: “Então era isso? Só isso?”
19. O sentido e o fim, de Mike Sullivan
(Reformatório) contos
O sentido e o fim nos faz refletir, leva-nos ao encontro do outro, aproxima-nos de personagens que falam de vida e de morte, rodeados que estamos por ela, ainda mais a partir do ano de publicação do livro, 2020, quando a pandemia do Coronavírus assola o mundo e particularmente o Brasil, com seu governo aliado da mortandade. Claro, o fim é a morte, mas o sentido – Mike Sullivan o afirma no desejo de seus personagens – é o amor.
20. Rotina dos ossos, de Fabíola Mazzini Leone
(Cousa) poesia
21. O complexo fraterno, de Luis Kancyper, trad. Julio Noto
(Blucher) psicnálise
22. Luto e melancolia, de Freud, trad. de Paulo César de Souza
(Cia das Letras) psicanálise
23. Fundamentos de Psicanálise, de Freud a Lacan, de Marco Antônio Coutinho Jorge
(Cia das Letras) psicnálise
24. Amor, culpa e reparação, de Melanie Klein e Joan Riviere, trad. de Maria Helena Senise
(Imago) psicanálise
25. Invisíveis cotidianos, de Carlos Orfeu
(Patuá) poesia
Já nas duas epígrafes escolhidas, uma de Josoaldo Lima Rêgo e outra de Gaston Bachelard, o poeta Carlos Orfeu nos avisa que em seu Invisíveis cotidianos estaremos diante do avesso das coisas. Nesse livro, os poemas centram-se preferencialmente nas imagens de objetos, pequenos seres, jogando luz (por sinal, a luz é uma das coisas muito observadas) sobre aquilo que nos passa despercebido, entre normal e banal. É a partir de duas figuras de linguagem em especial, amplamente usadas na construção dos seus poemas, as analogias e as metáforas, que o poeta ilumina o que há do outro lado, como quem nos auxilia a entrar na realidade paralela das existências do aparentemente inanimado ou insignificante.
26. Cartas a um jovem terapeuta, de Contardo Calligaris
(Planeta) psicanálise
27. Filicídio, de Arnald Raskovsky, trad. de Paulo Sternick e Tite de Lemos
(Artenova) psicanálise
28. O gato da árvore dos desejos, de Tadeu Sarmento
(Lê) literatura para a infância
29. A morte de um caixeiro Viajante, de Arthur Miller, trad. José Rubens Siqueira
(Cia das Letras) dramaturgia
30. Mapas para desaparecer, de Nara Vidal
(Faria e Silva) Contos
É ainda de se notar que Nara Vidal escreveu um livro que fala do desaparecimento em plena época de excesso de aparição. Uma época em que a esperança foi tocada de forma vertiginosa e encontra-se ferida, pois hoje não é somente um novo modo de vida, de sistema econômico, de sentido existencial que buscamos, mas novas formas urgentes de nos relacionarmos com um planeta estafado da raça humana. Se o que há de mais certo é o nosso desaparecimento – metafórico e real – Nara Vidal, ao escrever sobre ele, de certa forma, está falando também do desaparecimento de si e da sua obra.
31. A mulher submersa, de Mar Becker Becker (Urutau) poesia
A mulher submersa fala de uma mulher escondida que pode vir à tona a qualquer momento, uma mulher prestes a se mostrar inteira. Uma Atlântida procurando, ela mesma, a sua localização concreta.
32. Quênia, poemas de viagem, de Michaela Schmaedel
(Cas'a) poesia
Em Quênia, a espacialidade, a distância tomada pelo eu-lírico, resultam numa prospecção. Vê-se de longe e de perto, para frente e para trás, coletivamente e individualmente. O eu-lírico também fala de suas dores pessoais: “No lugar da caça/ do bicho quase não vivo/ na savana das presas/ me encontro.” É neste lugar da perda que ele se identifica. O ser humano olha para si, olha para os outros seres e se dá conta do que lhe falta, seja o capim mais verde, a pessoa amada na penumbra ou mesmo um sentimento que o una aos outros.
33. Como usar um pesadelo, de Bruno Ribeiro
(Caos & Letras) contos
Como usar um pesadelo traz críticas sociais, políticas e existenciais implícitas. Os pesadelos selecionados mostram um mundo assolado pelo desequilíbrio, pelos transtornos mentais, pelo mau caratismo, pela busca do sucesso propagandeada pelos coachs, pela terra arrasada em que as ervas-daninhas da autoajuda, essa nova roupagem do charlatanismo, encontra para se alastrar; o sadomasoquismo das relações, a violência e a tortura como soluções políticas, findando assim toda a política.
34. A interpretação dos sonhos, de Freud, trad. de Paulo César de Souza
(Cia das Letras) psicanálise
35. O Ausente, de Edimilson De Almeida Pereira
(Relicário) romance
O Ausente, romance que integra a trilogia Náusea, de Edimilson de Almeida Pereira, conta a história de Inocêncio, um homem que vive no meio rural e se torna o rezador e o curandeiro de sua comunidade por predestinação. Durante os partos, raramente acontece de o bebê nascer envolto pelo saco amniótico e, em alguns lugares diversos do mapa, desde épocas remotas, o fato é compreendido como um sinal de proteção especial, resultando em um símbolo de sorte ou da marca inescapável de curar. Inocêncio é um empelicado.
36. O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk
(Cia das Letras) romance
Inteligente e emocionante, “O som do rugido da onça”, romance de Micheliny Verunschk, compõe (recompõe) uma história para Iñe-e e Juri, duas crianças indígenas sequestradas/traficadas pelos cientistas Spix e Martius, na missão científico-cultural realizada pelos naturalistas bávaros entre os anos de 1818 e 1821. Em uma terrível viagem de navio, que lembra também o horror dos tumbeiros, algumas crianças, entre elas a menina-onça do povo Miranha e o menino-peixe do povo Juri, são levadas até Munique para estudos e exibição na corte de Maximilian Joseph I.
37. Sacrifício e outros contos, de Francisco De Morais Mendes
(Jaguatirica) contos
No conto Sacrifício, que dá nome ao livro, uma situação absolutamente absurda – achar dinheiro nas ruas a vida toda – ganha verossimilhança na habilidade do autor. A leitura nos encaminha para a empatia com o protagonista, Marcial. A surrealidade da história nos comove porque Marcial tem sua humanidade tocada pelo destino, do qual não consegue fugir. Será crime achar objetos perdidos e não devolver? A quem acha tanto e não devolve só resta a lavagem de dinheiro? A metáfora para o trabalho cria a equivalência de rebaixar-se, fazer sacrifício, aproximando-o da raiz da palavra “Tripalium”, tortura. Em Sacrifício, uma situação que causaria inveja a qualquer um na vida real, ao contrário, faz com que nós a rejeitemos; não queremos a solidão e o vazio de Marcial, recusamos a sua boa sorte.
38. As meninas, de Lygia Fagundes Telles
(Cia das Letras) romance
39. Nem sinal de asas, de Marcela Dantés
(Patuá) romance
O romance Nem sinal de asas, de Marcela Dantés apresenta-nos um corpo incorrupto, o de Anja Santiago, encontrado cinco anos após sua morte, dentro do apartamento. É a partir do leilão do imóvel, de herança vacante, que já desconfiamos que essa mulher tão anônima não tem ninguém e, assim, ninguém deu por sua falta. Ela foi encontrada por motivos econômicos: seu dinheiro no banco cessou e o débito automático das contas não se fez mais possível. Somente quando os credores deram falta do dinheiro de Anja, ela foi procurada.
40. Criogenia de D. ou manifesto pelos prazeres perdidos, de Leonardo Valente
(Mondrongo) romance
De D. não sabemos se é homem, se é mulher, se é cis, trans, se é hétero ou homossexual, não temos qualquer definição nesse sentido. Também não sabemos com o que trabalha, ou seja, não é uma pessoa definida pelo que faz dentro da cadeia produtiva. Sabemos que é uma pessoa, é o que importa, e essa é uma das características mais marcantes nesse romance, dar-nos a perceber que as situações vividas, as emoções narradas poderiam se passar com qualquer ser humano, sem precisar que seja definido um grupo sexual, um gênero ou uma profissão. E mais, como o texto nos convence, seja qual for a maior identificação de gênero que façamos da personagem, o autor acaba por mostrar, de modo eficiente, que a verossimilhança com relação a uma personagem não precisa depender necessariamente de qualquer afiliação, característica ou orientação da autoria. Nesse sentido, Criogenia de D. ou manifesto pelos prazeres perdidos é também um livro que se destaca nos debates sobre lugar de fala e criação.
41. Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex
(Geração Editorial) ensaios
42. A origem da água, de Ana Cristina Braga Martes
(Confraria do vento) romance
Com uma linguagem fluida e, ao mesmo tempo, requintada, Ana Cristina Braga Martes retrata a loucura para além dos seus clichês, sua personagem nos leva à vida pulsante de uma mulher que lê, que escreve, que quer romper tabus impostos pelo machismo, que questiona o mundo e ousa ser sincera, como talvez somente os “loucos” possam ser, em uma sociedade que, como já nos foi alertado por Freud, só pode ser hipócrita, em resposta às altas exigências de uma moralidade que está muito além do que o indivíduo pode dar sem pagar com seu adoecimento.
43. O eu e o Id, autobiografia e outros textos, de Freud, trad. de Paulo César de Souza
(Cia das Letras) psicanálise
44. Quarto de despejo, Carolina Maria de Jesus
(Ática) diário
45. A lagarta e a cobra, de Ana Carolina Neves
(Crivo editorial) literatura para a infância
46. Sigmund Freud na sua época e em nosso tempo, de Élisabeth Roudinesco, trad. André Telles
(Zahar) biografia
47. O olho mais azul, de Toni Morrison, trad. Manoel Paulo Ferreira
(Cia das letras) romance
48. Ester ou Antígona, de Tadeu Sarmento
(Uboro Lopes) romance
49. A filha primitiva, de Vanessa Passos
(Amazon Kindle) romance
Vanessa passos, ao escrever A filha primitiva, utiliza uma linguagem direta, frases curtas, com uma certa dureza que junta tema e forma. É um livro que nos mostra como é fácil culpar a mãe, culpar mulheres em um mundo feito contra elas, mas também mostra o esforço para superar a incomunicabilidade. Talvez, entre a mãe e a filha, um abraço possa servir como a língua universal quando o idioma – diga-se materno – falha.
50. A teoria da felicidade, de Kátia Borges
(Patuá) crônicas
Gênero muitas vezes subestimado, a crônica bem escrita é capaz de nos alertar, nos encantar, nos emocionar. É o que acontece no livro A teoria da felicidade, de Kátia Borges, no qual a jornalista, poeta e prosadora consegue unir características dos textos dessas três atividades para compor crônicas tomadas de inteligência, capacidade de comunicação, sensibilidade e beleza.
51. Rondó, de Sonia Sant'Anna
(Penalux) contos
52. Máquina, de Eleazar Venancio Carrias
(no prelo) poesia
Adriane Garcia, poeta, nascida e residente em Belo Horizonte. Publicou Fábulas para adulto perder o sono (Prêmio Paraná de Literatura 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo (ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (ed. Confraria do Vento, 2015), Embrulhado para viagem (col. Leve um Livro, 2016), Garrafas ao mar (ed. Penalux, 2018), Arraial do Curral del Rei – a desmemória dos bois (ed. Conceito Editorial, 2019) e Eva-proto-poeta (ed. Caos & Letras, 2020). Participa de várias antologias. Tem poemas traduzidos para o inglês e o espanhol em diversas revistas no exterior. Em 2017 foi co-curadora do FLIBH, juntamente com o escritor Francisco de Morais Mendes.
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