Poemas & Poetas indeléveis de 2021: Nil Kremer
14 de dezembro de 2021
seleção de José Couto
por Nil Kremer
seleção de José Couto
por Nil Kremer
repara na dança dos teus cílios
quando fala deusa
mirando minha íris
repara quão raro é ser inteiro
canteiro pronto a semear
terra fértil
repara em teus traçados sob minhas rotas
nas horas que nos vencem
no nosso abandono, puro encontro
repara na água que você oferece
toada para minha boca
dedilhado minimalista
repara em nossa cara lavada
na nudez trôpega de nossas gargalhadas
no quanto de muito no aparente pouco
na sonolência que nos arrebata
na proximidade além corpo
repara
que somos potência e embriaguez
que somos uma fatia daquele bolo de chocolate
que faço tão bem
repara ainda que se não finda
este encontro ilumina- nos em anos luz
vejo auroras boreais no teu peito
vejo auroras boreais no teu peito
e uma gigante baleia branca
protegendo a espécie
vejo o que tear algum tece
o embaraço que abocanha obviedades
liturgia que a bíblia não comporta
feridas sedentas nos teus lábios febris
ouço vinis no toca disco do teu peito
secos e molhados, amor
e uma paisagem dúbia, sonora
roçando a graça dos teus mamilos
deus não mora na oração
mora na intenção
no que teu coração sustenta
não mora no veneno pregado
um cristo na cruz
jesus, um revolucionário
não aceitaria salafrários da fé
não resistiria a tentação de um abraço
ou toque amoroso
não cercearia a porção depravada e faminta
a pinta entre os seios
deus mora nos detalhes
deus mora no receio
não no entalhe em madeira
mora no feirante anunciando a promoção
na tua emoção mais reprimida
na criança recolhendo a xepa que não foi vendida
não mora no teu canudo
ou no cálice com "sangue"
deus mora no mangue, garantia de sustento
no rebento inesperado
e não no teu moralismo barato
mofo que apodrece o humano
deus mora no pagão que sabe ser pão
e alimenta a fome alheia
deus mora no faminto
que não contém o grito do gozo
eu penso no universo que cada um contém
cada qual com suas fissuras e despenhadeiros
cada qual arrastando sua corrente
eu penso na lonjura que cada qual traz nos olhos
penso nas dúvidas que sorvem os dias
cada qual com seu escudo
cada qual com sua agonia
e penso na densidade das máscaras
dos jogos, trapiches, entulhos
nos muros que erguemos
de medo e vazio
nos rios em que deixamos de entrar
por receio da corredeira
BALADA POR NUESTRA MORTE
morre-se lentamente
morre-se de um tudo
de choque
mudo
morre-se de luto
morre-se de bote
do destino
de sol a pino
num susto
morre-se
morre-se sem encaixe
em trapiches
morre-se por caprichos
em lixões
morre-se
morre-se sem medicação
são
de altura
na lisura, fissurado
ao bel prazer morre-se
morre-se exilado
calado
pertencente ou não
morre-se quadrado
perdido
morre-se na perdição
morre-se aflito
em contrição
morre-se ateu
plebeu
superstar morre-se
morre-se de sim
de indiferença
e por fim a sentença:
morre-se em previsibilidade
só
pó
nas coisas que não sei
tem as que sinto
sinto tanto
chispas bailando ao redor
maremotos e super novas
peito bordado de elos
música beliscando suave
teus olhos arpões
atravessando minha íris
eu não escrevo
arranho inconstâncias
tento tocar o céu com a língua
o zarpar
o risco
um pintassilgo liberto
na tortuosidade do horizonte
escrever é pôr pelos em pé
um beliscão no peito
lamber a umidade da palavra
que queima
não quero a palavra embaraço
em ranço de carolas
nem a palavra esmola
salpicada de piedade
quero o transe
o despenhadeiro
um Kilimanjaro que me atrevesse
eu e o tempo nos olhamos límpidos
como quem compreende a agonia alheia
como quem pressente os mistérios
eu e o tempo somos um para o outro
ora de mãos dadas
ora "aos trancos e barrancos"
ora soando clichê, palavras gastas
ora poeira engasgada, o não dito
eu e o tempo somos um para o outro
eu, arranha-céu, blindado
o tempo, apelo, corredeira
quando fala deusa
mirando minha íris
repara quão raro é ser inteiro
canteiro pronto a semear
terra fértil
repara em teus traçados sob minhas rotas
nas horas que nos vencem
no nosso abandono, puro encontro
repara na água que você oferece
toada para minha boca
dedilhado minimalista
repara em nossa cara lavada
na nudez trôpega de nossas gargalhadas
no quanto de muito no aparente pouco
na sonolência que nos arrebata
na proximidade além corpo
repara
que somos potência e embriaguez
que somos uma fatia daquele bolo de chocolate
que faço tão bem
repara ainda que se não finda
este encontro ilumina- nos em anos luz
vejo auroras boreais no teu peito
vejo auroras boreais no teu peito
e uma gigante baleia branca
protegendo a espécie
vejo o que tear algum tece
o embaraço que abocanha obviedades
liturgia que a bíblia não comporta
feridas sedentas nos teus lábios febris
ouço vinis no toca disco do teu peito
secos e molhados, amor
e uma paisagem dúbia, sonora
roçando a graça dos teus mamilos
deus não mora na oração
mora na intenção
no que teu coração sustenta
não mora no veneno pregado
um cristo na cruz
jesus, um revolucionário
não aceitaria salafrários da fé
não resistiria a tentação de um abraço
ou toque amoroso
não cercearia a porção depravada e faminta
a pinta entre os seios
deus mora nos detalhes
deus mora no receio
não no entalhe em madeira
mora no feirante anunciando a promoção
na tua emoção mais reprimida
na criança recolhendo a xepa que não foi vendida
não mora no teu canudo
ou no cálice com "sangue"
deus mora no mangue, garantia de sustento
no rebento inesperado
e não no teu moralismo barato
mofo que apodrece o humano
deus mora no pagão que sabe ser pão
e alimenta a fome alheia
deus mora no faminto
que não contém o grito do gozo
eu penso no universo que cada um contém
cada qual com suas fissuras e despenhadeiros
cada qual arrastando sua corrente
eu penso na lonjura que cada qual traz nos olhos
penso nas dúvidas que sorvem os dias
cada qual com seu escudo
cada qual com sua agonia
e penso na densidade das máscaras
dos jogos, trapiches, entulhos
nos muros que erguemos
de medo e vazio
nos rios em que deixamos de entrar
por receio da corredeira
BALADA POR NUESTRA MORTE
morre-se lentamente
morre-se de um tudo
de choque
mudo
morre-se de luto
morre-se de bote
do destino
de sol a pino
num susto
morre-se
morre-se sem encaixe
em trapiches
morre-se por caprichos
em lixões
morre-se
morre-se sem medicação
são
de altura
na lisura, fissurado
ao bel prazer morre-se
morre-se exilado
calado
pertencente ou não
morre-se quadrado
perdido
morre-se na perdição
morre-se aflito
em contrição
morre-se ateu
plebeu
superstar morre-se
morre-se de sim
de indiferença
e por fim a sentença:
morre-se em previsibilidade
só
pó
nas coisas que não sei
tem as que sinto
sinto tanto
chispas bailando ao redor
maremotos e super novas
peito bordado de elos
música beliscando suave
teus olhos arpões
atravessando minha íris
eu não escrevo
arranho inconstâncias
tento tocar o céu com a língua
o zarpar
o risco
um pintassilgo liberto
na tortuosidade do horizonte
escrever é pôr pelos em pé
um beliscão no peito
lamber a umidade da palavra
que queima
não quero a palavra embaraço
em ranço de carolas
nem a palavra esmola
salpicada de piedade
quero o transe
o despenhadeiro
um Kilimanjaro que me atrevesse
eu e o tempo nos olhamos límpidos
como quem compreende a agonia alheia
como quem pressente os mistérios
eu e o tempo somos um para o outro
ora de mãos dadas
ora "aos trancos e barrancos"
ora soando clichê, palavras gastas
ora poeira engasgada, o não dito
eu e o tempo somos um para o outro
eu, arranha-céu, blindado
o tempo, apelo, corredeira
Nil Kremer é atriz, arte educadora e escritora; com formação em Letras (UCS). É Pós-graduanda em Literatura Infantil e Juvenil (UCAM) e em Especialização em educação no novo ensino médio: Interdisciplinaridade e itinerários formativos para linguagens e Ciências Humanas (UNILASALLE). Participou de coletâneas de poemas (publicações impressas e digitais), tem poemas publicados no livro da Tribo, em fanzines e revistas (digitais e impressas). Publicou o livro independente e artesanal “Kamikaze” (Da Gaveta, 2016) e participou da Coletânea “Misterioso Sul- Lendas em poemas” (Elos do Conto, 2018), mesmo ano em que foi premiada no 52º Concurso Anual Literário de Caxias do Sul, com o 1º lugar na categoria Poesia. Nos últimos três anos foi coordenadora Mostra Literária da Rede Recria. É professora de Língua Portuguesa e Literatura; e das Séries Iniciais. Trabalha com contação de histórias e orienta oficinas sobre meios alternativos de publicação (fanzines, livros cartoneros...), e oficinas de Criação Literária. É integrante do coletivo Tríplice Poética, que pesquisa a transversalização das diversas linguagens artísticas, em que o foco tem sido trabalhos em audiovisual.
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José Couto (Porto Alegre/RS). Professor e poeta brasileiro. É o autor de “A impermanência da escrita” (2010), “O soneto de Pandora” (2017) e “O unicórnio do sul e outras lendas poéticas” com ilustrações de Luiza Maciel Nogueira (2018). E dos inéditos “quase quasares” poesia,”Sete Cânticos Negros”, poesia, arte plástica e música, TOTEM (poesias a quatro mãos) com arte de Artur Madruga.
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