Sete poemas de Norma de Souza Lopes
06 de janeiro de 2022
por Norma de Souza Lopes
por Norma de Souza Lopes
fóssil
súbito
acordar incapaz
de carregar nos braços
no máximo
mãos nas costas
um balanço
uma árvore
um tobogã
a desconexão
como pedra
encaixada
onde havia osso
o amor
oscilação
"não escreve mais poesia?"
você pergunta
eu não respondo nada
estou cansada
desse versos requentados
sujos, amarelados
carregados pelo vento
jornal de ontem
exausta com este tempo
em que qualquer vigarista
inventa verdades
tantas eras
e este pêndulo de déspotas
a atrasar a democracia
(e nem era democracia, o fluxo
que eu queria
ainda não tem nome)
sei que tinha dito
"não vale a pena"
" não há nada a dizer"
mas há um sinal
de nascença em minha língua
uma esperança obscena
abrir as portas
e mover o mundo
a poesia é um emoji de lágrima
caminho entre as pedras
e a água, e o lodo
e ouço os gritos
como na piada
do japonês
vai morrer
vi outro dia
o joão da mata
e o seu bando
correndo perigo
na cachoeira
e pareciam tão vivos
sabia que quase
morri um tanto de vezes?
viver é escolher
o risco
escolho um
chamado
francisco
de cinco anos
porque ele me abraça
sem máscara
e me ama
sem culpa
e se me julga
é por não ter
feito florir o cravo
da última vez
que veio me ver
pensei: entrei pra história
que bom que escolhi
ficar viva pra ser
a vovó das plantas
é triste assistir
o desfile diário
mil partidas
minha amiga espírita conta
segredos do além
ela diz: norma
quanto mais medo
e mais apego
mais triste o degredo
há dias que sou
o pato na copa
da árvore batendo
papo com a morte
francisco pergunta
desde a primeira frase
é agora que
o pato morre?
e por fim
e a tulipa?
ele ainda não sabe
há o risco
e o tributo
e de repente parece
que faz sentido
o eterno retorno
e a holotúria
da szymborska
morrer só um pouco
só um pouco
meio verdade
outro acento
outro ritmo
e nada do que disse
é
insistir em falar
é flutuar
enquanto não me lembro
que não sei nadar
servidão
a submissão
das três pontas
de ossos
sobre a cerviz
sólido
o medo das asas
infiltradas
nas escápulas
ossos do ofício
desenhar
o cosmo
no asfalto
aligator
koan
Que me interesse a resposta
à pergunta do mestre
zen sobre qual é o som de palmas
de uma só mão
não sou capaz de
evitar o arrepio nas orelhas
deixo que me envolva
a memória, caixas alinhadas
a textura e o cheiro sem nome
de sua pele, é quase um crime
tentar dizer, mas era o som
e a alegria de vigorosas
palmas, duas mãos
nosso encontro
apenas existindo
sobre as cobertas
voz
"Cabe à voz do ator fazer com que novas percepções e novos afetos surjam, ambos a rodear o conceito lido e dito."
Deleuze
aquela voz de convite
dizendo em sussurro
se abraça
adianta
nós com os cacos nas mãos
e ela convoca o novo
a nudez absoluta da coisa
e sussurra
cola
suave transmove
à cena do assombro
faz-se luz
onde todos somos
súbito
acordar incapaz
de carregar nos braços
no máximo
mãos nas costas
um balanço
uma árvore
um tobogã
a desconexão
como pedra
encaixada
onde havia osso
o amor
oscilação
"não escreve mais poesia?"
você pergunta
eu não respondo nada
estou cansada
desse versos requentados
sujos, amarelados
carregados pelo vento
jornal de ontem
exausta com este tempo
em que qualquer vigarista
inventa verdades
tantas eras
e este pêndulo de déspotas
a atrasar a democracia
(e nem era democracia, o fluxo
que eu queria
ainda não tem nome)
sei que tinha dito
"não vale a pena"
" não há nada a dizer"
mas há um sinal
de nascença em minha língua
uma esperança obscena
abrir as portas
e mover o mundo
a poesia é um emoji de lágrima
caminho entre as pedras
e a água, e o lodo
e ouço os gritos
como na piada
do japonês
vai morrer
vi outro dia
o joão da mata
e o seu bando
correndo perigo
na cachoeira
e pareciam tão vivos
sabia que quase
morri um tanto de vezes?
viver é escolher
o risco
escolho um
chamado
francisco
de cinco anos
porque ele me abraça
sem máscara
e me ama
sem culpa
e se me julga
é por não ter
feito florir o cravo
da última vez
que veio me ver
pensei: entrei pra história
que bom que escolhi
ficar viva pra ser
a vovó das plantas
é triste assistir
o desfile diário
mil partidas
minha amiga espírita conta
segredos do além
ela diz: norma
quanto mais medo
e mais apego
mais triste o degredo
há dias que sou
o pato na copa
da árvore batendo
papo com a morte
francisco pergunta
desde a primeira frase
é agora que
o pato morre?
e por fim
e a tulipa?
ele ainda não sabe
há o risco
e o tributo
e de repente parece
que faz sentido
o eterno retorno
e a holotúria
da szymborska
morrer só um pouco
só um pouco
meio verdade
outro acento
outro ritmo
e nada do que disse
é
insistir em falar
é flutuar
enquanto não me lembro
que não sei nadar
servidão
a submissão
das três pontas
de ossos
sobre a cerviz
sólido
o medo das asas
infiltradas
nas escápulas
ossos do ofício
desenhar
o cosmo
no asfalto
aligator
koan
Que me interesse a resposta
à pergunta do mestre
zen sobre qual é o som de palmas
de uma só mão
não sou capaz de
evitar o arrepio nas orelhas
deixo que me envolva
a memória, caixas alinhadas
a textura e o cheiro sem nome
de sua pele, é quase um crime
tentar dizer, mas era o som
e a alegria de vigorosas
palmas, duas mãos
nosso encontro
apenas existindo
sobre as cobertas
voz
"Cabe à voz do ator fazer com que novas percepções e novos afetos surjam, ambos a rodear o conceito lido e dito."
Deleuze
aquela voz de convite
dizendo em sussurro
se abraça
adianta
nós com os cacos nas mãos
e ela convoca o novo
a nudez absoluta da coisa
e sussurra
cola
suave transmove
à cena do assombro
faz-se luz
onde todos somos
Norma de Souza Lopes (Belo Horizonte/MG, 1971) é autora dos livros de poemas De mim ninguém sai com fome (Patuá, 2017) e Borda (Patuá, 2014). Poeta e professora, escreve no blogue Norma Din: normadaeducacao.blogspot.com.br
|