Poemas & Poetas indeléveis de 2021:
Os três Mal-Amados
28 de dezembro de 2021
seleção de José Couto
por Jorge Amancio, Luciana Barreto e Josafá Santana
seleção de José Couto
por Jorge Amancio, Luciana Barreto e Josafá Santana
ODOYÁ
Jorge Amancio
Seu vestido
Rodopia
A voz do mar.
.
O corpo
Ondula
O ar dança.
.
Guarda
Conchas e pedrinhas,
Na porcelana azul.
.
No branco da mesa
Pato peixe canjica,
Oferendas a rainha.
.
Na África
Mulher de Oxalá.
.
Saíram de Inaê
Olokun Oxóssi Xangô Oxum.
.
Mãe dos seios úmidos
Uma Sereia
Rainha do Mar
COMPLEXO ALEMÃO
Jorge Amancio
Manhã pelas janelas
Cafofos amontoados
Escalam o morro
Tarde pelas frestas
Teleféricos mutilados
Escondem o choro
Noite pelas vidraças
Mal iluminadas
Rajadas em coro
*
Da janela ao lado
Menina morta
Bala perdida
O comércio jurado
Abre as portas
Comida fiada
Do outro brado
Anúncios de rotas
Milícia fardada
*
Menina mil anos
Deixa 2 filhos
Pai ignoto
Órfãos sem planos
Futuridade sem trilhos
Quietude esgoto
Vigia dos danos
Brevidade sem brilho
11 e 12 anos – mortos –
SALVE JORGE
Jorge Amancio
Guerreiro de três nomes
Cavaleiro das 14 ordens
Defensor dos injustiçados
Dos fracos e oprimidos
Ogum Oxóssi São Jorge
Que meus inimigos
Tenham olhos
Não me vejam
Tenham pés
Não me alcancem
Armas de fogo
Não me atinjam
Facas e lanças se quebrem
Correntes se arrebentem
Quando meu corpo tocarem
Eu estou vestido
Com as armas pratas
De Jorge
Com a capa encarnada
De Ogum
Com as ervas verdes
De Oxóssi
OGUM PODEROSO, PODEROSO
Jorge Amancio
Ogum
Abra os caminhos para mim
Só ele, só ele, só ele
Está na casa,
Campo e alfândega.
Os maus ventos e a insônia
Tire-os de mim
Não seque a minha mão
(que eu não seja pobre)
Só ele em pé em pé
Come feijões brancos,
Come caracóis.
Ogum
Dos barbeiros come pelos das pessoas
Dos tatuadores bebe o sangue
Dos açougueiros come carne
Dos ferreiros tem ranho no nariz
Só ele, só ele, só ele
Mata e desaparece
O transeunte indiscreto.
Ogum três ferros
Títulos na forja
A enxada que abre a terra
(para enterrar vocês)
Só ele em pé em pé
Apodera-se de mim,
Poderoso, poderoso.
SE UM CHORÃO PODE CHORAR, PARA EXU É DIFÍCIL
Jorge Amancio
Entra à força
Quer brigar
Grita
Guerra no gueto
De calças curtas
O guardião do portal
Endireita o torto
Entorta o direito
Briga com alguém
Encontra o que fazer
Procura o porrete
Para ajudar
O trabalhador
Diante do portal
Dorme
Durante 3 anos
Se ele partir
Cubra-me
Com um pano branco
Gente demais
Fala mal de mim
Inclino-me a exu
MINIMAL
Jorge Amancio
Só
Soul
Samba
*
Boca seca
Desafina
Tom
Interrompido
Arquiteta
Silêncio
Lágrima
Caída
No chão
Jorge Amancio
Seu vestido
Rodopia
A voz do mar.
.
O corpo
Ondula
O ar dança.
.
Guarda
Conchas e pedrinhas,
Na porcelana azul.
.
No branco da mesa
Pato peixe canjica,
Oferendas a rainha.
.
Na África
Mulher de Oxalá.
.
Saíram de Inaê
Olokun Oxóssi Xangô Oxum.
.
Mãe dos seios úmidos
Uma Sereia
Rainha do Mar
COMPLEXO ALEMÃO
Jorge Amancio
Manhã pelas janelas
Cafofos amontoados
Escalam o morro
Tarde pelas frestas
Teleféricos mutilados
Escondem o choro
Noite pelas vidraças
Mal iluminadas
Rajadas em coro
*
Da janela ao lado
Menina morta
Bala perdida
O comércio jurado
Abre as portas
Comida fiada
Do outro brado
Anúncios de rotas
Milícia fardada
*
Menina mil anos
Deixa 2 filhos
Pai ignoto
Órfãos sem planos
Futuridade sem trilhos
Quietude esgoto
Vigia dos danos
Brevidade sem brilho
11 e 12 anos – mortos –
SALVE JORGE
Jorge Amancio
Guerreiro de três nomes
Cavaleiro das 14 ordens
Defensor dos injustiçados
Dos fracos e oprimidos
Ogum Oxóssi São Jorge
Que meus inimigos
Tenham olhos
Não me vejam
Tenham pés
Não me alcancem
Armas de fogo
Não me atinjam
Facas e lanças se quebrem
Correntes se arrebentem
Quando meu corpo tocarem
Eu estou vestido
Com as armas pratas
De Jorge
Com a capa encarnada
De Ogum
Com as ervas verdes
De Oxóssi
OGUM PODEROSO, PODEROSO
Jorge Amancio
Ogum
Abra os caminhos para mim
Só ele, só ele, só ele
Está na casa,
Campo e alfândega.
Os maus ventos e a insônia
Tire-os de mim
Não seque a minha mão
(que eu não seja pobre)
Só ele em pé em pé
Come feijões brancos,
Come caracóis.
Ogum
Dos barbeiros come pelos das pessoas
Dos tatuadores bebe o sangue
Dos açougueiros come carne
Dos ferreiros tem ranho no nariz
Só ele, só ele, só ele
Mata e desaparece
O transeunte indiscreto.
Ogum três ferros
Títulos na forja
A enxada que abre a terra
(para enterrar vocês)
Só ele em pé em pé
Apodera-se de mim,
Poderoso, poderoso.
SE UM CHORÃO PODE CHORAR, PARA EXU É DIFÍCIL
Jorge Amancio
Entra à força
Quer brigar
Grita
Guerra no gueto
De calças curtas
O guardião do portal
Endireita o torto
Entorta o direito
Briga com alguém
Encontra o que fazer
Procura o porrete
Para ajudar
O trabalhador
Diante do portal
Dorme
Durante 3 anos
Se ele partir
Cubra-me
Com um pano branco
Gente demais
Fala mal de mim
Inclino-me a exu
MINIMAL
Jorge Amancio
Só
Soul
Samba
*
Boca seca
Desafina
Tom
Interrompido
Arquiteta
Silêncio
Lágrima
Caída
No chão
Jorge Amancio é licenciado em Física, especialização em Matemática para Professores e em Problemas de Geometria, todos pela Universidade de Brasília. A formação não acadêmica se constitui na literatura, na poesia especificamente, tendo publicado NEGROJORGEN e BATOM D’AMOR E MORTE poesias, ambos pela Thesaurus ed. 2007 e 2014, respectivamente, NÓSOUTRXS Semim ed. 2018 e participado de inúmeras antologias, poemas publicados em revistas e jornais.
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GÊNESE
Luciana Barreto
Esse indecifrável rio do amor
Rolando em seu leito de seda
Seus seixos secretos
Seus mistérios afáveis
Sua infinda magia:
Quanto mais água mais sede.
.
Em si a gênese do amor
Guarda seus narcisos.
SONHO(S)
Luciana Barreto
Quando um sonho toca outro sonho
Um arco de cores invade o céu
E os anjos descem ao chão
Não mais harpas
Não mais trombetas
Mas o tempo em seu apelo de flor
– a esplender sob o sol radioso
– a fenecer em seu ciclo comovido
Quando um sonho toca outro sonho
É o dedo de deus que reinaugura o mundo
Não mais Adão
Não mais Eva
Tão somente os vívidos afrescos
De uma vida que se rebrilha urgente.
MEDITAÇÃO
Luciana Barreto
Hoje deitei-me ao longo de mim
E deslizei ali em alongado leito
Ladeando pedras ramos galhos
Lâmina-lume de memórias tantas
Sustos pretéritos alentos ilusões
E ternuras delicadamente vertidas
Em versos e versos riscados na água.
Hoje deitei-me ao longo de mim
Comigo novamente a chave esplêndida:
– Sim, os lírios vívidos ainda em minhas mãos
– Sim, a paz dos pássaros em meu peito antigo
– Sim, em meus olhos não mais nevascas
– Sim, em mim (e imenso) aquele lúcido farol.
PRECE PARA MIGUEL
Luciana Barreto
Ma-mãe, ma-mãe, ma-mãe, ma-mãe?
Ma-mãe, ma-mãe, cadê você?
Ma-mãe, cadê você?
Ma-mãe?
E o eco estéril (e surdo) do pedido-menino
Irrita a patroa, apoquenta os ouvidos
E (quase) borra suas unhas carmesim
E o espanto bambo (e ardido) do choro-menino
Rebenta corredor afora, corre zonzo perdido
E se aquieta (por ora) fosso adentro
Mas nada sabe Miguel de seu destino-menino
Mas nada entende Miguel da sua pele preta
Do topo anil (enfim) avista o que busca
E, no voo mais agudo, escapam-lhe dos dedos
A pipa rompida, o vento insano, o pássaro escarlate
Ali, no solo seco, no cimento ingrato
- com as unhas borradas de sangue –
A preta Pietá susta o sonho
(re) colhe o grito
E (por fim) devolve-lhe o abraço primevo
- e o mais antigo dos prantos invade o mundo.
PAZ
Luciana Barreto
A dália desliza
Líquida
Entre os dedos
Tolda-se o olhar
E o teu rosto
Aturde-me
A M O R
Luciana Barreto
Entre a tua janela úmida
E o cerrado que me invade
Levo-te inteiro à minha boca
A cada gole largo (e seco) de ar
Por entre os meus dentes
Diviso beijos chuvas amoras
E (outra vez) escorrem acesas
As letras rubras (caprichadas)
Da palavra a m o r
Luciana Barreto
Esse indecifrável rio do amor
Rolando em seu leito de seda
Seus seixos secretos
Seus mistérios afáveis
Sua infinda magia:
Quanto mais água mais sede.
.
Em si a gênese do amor
Guarda seus narcisos.
SONHO(S)
Luciana Barreto
Quando um sonho toca outro sonho
Um arco de cores invade o céu
E os anjos descem ao chão
Não mais harpas
Não mais trombetas
Mas o tempo em seu apelo de flor
– a esplender sob o sol radioso
– a fenecer em seu ciclo comovido
Quando um sonho toca outro sonho
É o dedo de deus que reinaugura o mundo
Não mais Adão
Não mais Eva
Tão somente os vívidos afrescos
De uma vida que se rebrilha urgente.
MEDITAÇÃO
Luciana Barreto
Hoje deitei-me ao longo de mim
E deslizei ali em alongado leito
Ladeando pedras ramos galhos
Lâmina-lume de memórias tantas
Sustos pretéritos alentos ilusões
E ternuras delicadamente vertidas
Em versos e versos riscados na água.
Hoje deitei-me ao longo de mim
Comigo novamente a chave esplêndida:
– Sim, os lírios vívidos ainda em minhas mãos
– Sim, a paz dos pássaros em meu peito antigo
– Sim, em meus olhos não mais nevascas
– Sim, em mim (e imenso) aquele lúcido farol.
PRECE PARA MIGUEL
Luciana Barreto
Ma-mãe, ma-mãe, ma-mãe, ma-mãe?
Ma-mãe, ma-mãe, cadê você?
Ma-mãe, cadê você?
Ma-mãe?
E o eco estéril (e surdo) do pedido-menino
Irrita a patroa, apoquenta os ouvidos
E (quase) borra suas unhas carmesim
E o espanto bambo (e ardido) do choro-menino
Rebenta corredor afora, corre zonzo perdido
E se aquieta (por ora) fosso adentro
Mas nada sabe Miguel de seu destino-menino
Mas nada entende Miguel da sua pele preta
Do topo anil (enfim) avista o que busca
E, no voo mais agudo, escapam-lhe dos dedos
A pipa rompida, o vento insano, o pássaro escarlate
Ali, no solo seco, no cimento ingrato
- com as unhas borradas de sangue –
A preta Pietá susta o sonho
(re) colhe o grito
E (por fim) devolve-lhe o abraço primevo
- e o mais antigo dos prantos invade o mundo.
PAZ
Luciana Barreto
A dália desliza
Líquida
Entre os dedos
Tolda-se o olhar
E o teu rosto
Aturde-me
A M O R
Luciana Barreto
Entre a tua janela úmida
E o cerrado que me invade
Levo-te inteiro à minha boca
A cada gole largo (e seco) de ar
Por entre os meus dentes
Diviso beijos chuvas amoras
E (outra vez) escorrem acesas
As letras rubras (caprichadas)
Da palavra a m o r
Luciana Barreto, nascida no início da década de 1970, na cidade de Brasília, é formada em Comunicação/Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB). Tem mestrado e doutorado em Teoria Literária também pela UnB e desenvolveu pesquisas nos universos de Hilda Hilst, Dante Alighieri e Osman Lins, participando de congressos e publicando ensaios e artigos relacionados em livros e periódicos acadêmicos. Atua como professora universitária em Teoria Literária e Literaturas. Tem poemas em blogs e coletâneas e o seu primeiro livro, Nunca é casto o fio do poema, está prestes a ser publicado.
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CLARICE LISPECTOR!?
Josafá Santana
Clarice Lispector
Não é feita de palavras.
É feita de frases e poesia.
Ela nOs permite buscar
A felicidade clandestina
Na cidade sitiada e
Perto do coração selvagem.
Clarice não é vírgula,
Não é dois pontos.
Ela é reticências de entendimentos,
É interrogação
E exclamação.
É uma alma inquieta
Que inquieta.
É caótica... intensa...
Deslocada do eixo comum
Da superficialidade.
É provocadora
E nos fazem viver
A hora da estrela.
CLAMOR IN/VERSO
Josafá Santana
Cansado
Dos mesmos riscos
e horizontes
Lembro
A mim mesmo,
Escafandrista
De rios rasos,
Que preciso sustentar
minha existência frágil
No caminho das incertezas
do amanhã
Como quem carrega
Sóis em dias de céus
escuros e frios.
Sou filho gerado
Pelo deus Caos
Em busca de heróis
Mas preciso não pensar
Em cordas
Árvores
Sonhos de Ícaro
E abismos.
Preciso dormir
Sobre minhas dores
Acordar e pegar a vida
Com as mãos...
RASGANDO E REMENDANDO SILÊNCIOS
Josafá Santana
Quem ama
Perde
Muito tempo
Fora
Do chão
Desperta
Sempre
Suspeita
Arranhando
A superfície
Dos céus
O AMOR
Josafá Santana
Amor é naufrágio
Para quem
Não é escafandrista
De rios fundos
É travessia
É perigo
É risco de nado
E mergulho
Para quem
Não sabe
O que é profundidade
E uma reta em curvas
Ele dá sombra
À noite
E faz sol
Fora da hora
É perda quando
Não se quer ganhar
É sempre desproporcional
A quem ama
O amor salva
Da semente
Terra e céu
De sua infecundidade
NADA BASTA SER!
Josafá Santana
Confesso:
Não é nada fácil
Ser um poeta
De versos malditos
Já li leminski
Li chacal
Li schwarz
Li wally salomão
Li rimbaud
Li ginsberg
Já li até wélcio de toledo
Já mandei muita
Coisa pra pôrra
Já mandei muita
Gente pra puta
Que o pariu
Já pixei muro com as palavras:
Abaixo o verso
Bem comportado
E metrado
Mas isso não é
Nada maldito!
Já gritei pra muita gente ouvir:
“a burguesia fede...
Mas tem dinheiro
Pra comprar
Perfume francês”
Já pixei as paredes
Da abl com as palavras:
Intelectuais não fodem
Se masturbam mentalmente
E gozam...
E nada acontece
De maldito
Em meus versos!
Já gritei versos
Em bares
Em teatros
Em escolas
Em bibliotecas
Em portas de igrejas
Em cemitérios
Em praças públicas
Em quartéis
Em puteiros
Em portas de delegacias
Já tentei dizer
O que diz
O que não diz
Palavras hostis
Incendiárias
Já li tristan corbière
Li mallarmé
Li paul verlaine
Li lautréamont
Li cacaso
Li chico alvim
Já li até turiba
E nada acontece
De maldito
Em meus versos!
Já me coloquei
À margem de muita coisa
Fui polêmico
Iconoclasta
Mas ninguém consegue
Me ver como “raça
Sempre maldita
Aos poderosos da terra”
Já tentei me demarcar
Do resto do mundo
Em suas normas e regras
Já fiz pouco caso
Já me bundei
Desbundei
E nada de maldito
Acontece
Em meus versos!
Já li daiane di prima
Li gregory corso
Li catia cernov
Li ana cristina césar
Li torquato neto
Li geraldo carneiro
Já li até jorge amâncio
Já me revelei
Estive de lero-lero
Na corda bamba
Deixei de prosa
Entrei em paranóia
Já li quase tudo
Da geração beat
Já brinquei
Na tarde de esterco
Já conquistei
A imensa desolação
Dos dias doces te teu ser
Já me coloquei como
Um panfletário do caos
E nada aconteceu
De maldito
Em meus versos!
Já li artaud
Li jorge o mautner
Li charles cros
Li laforgue
Li baudelaire
Li o piva
Já li até fernando freire
Já tentei
Alargar os abismos
Que me separam da elite
Já desci ao inferno
De mim mesmo
Em busca
Do lado obscuro
E às vezes perverso
Que o racionalismo cuspiu
Arrotou e cagou
E que camusmente:
“morrem e não são felizes”
E irrompem
Com suas mãos e bocas
A realidade caótica
Que atravessam nossos olhos
E nossos caminhos
Mas nada acontece
De maldito
Em meus versos!
Quero meu direito
De ir vir
Rir e gozar
E se nada
De maldito
Em meus versos
Acontecem
Que vá a pôrra
Que vá a puta que pariu
A visibilidade do ser e ter
Quero ser a desobediência
E a recusa
De pertencer
A qualquer ideologia instituída
E abaixo o fascismo
O genocismo
Abaixo a debilidade humana
Enfim...
Não basta nada disso
Não basta...
Saber é poder não ser...
SAL EM CINZAS
Josafá Santana
Liberdade é fora
É do tamanho
Do mundo
Solidão é dentro
Da gente
É o sozinho
É o sem lugar
Não tem janelas
Nem portas
Não clama
A vida às claras
Na noite
Se esconde
Grita e sofre
É uma espera
Enorme
É um gatilho
Apontado
Pro oco do mundo
Josafá Santana
Clarice Lispector
Não é feita de palavras.
É feita de frases e poesia.
Ela nOs permite buscar
A felicidade clandestina
Na cidade sitiada e
Perto do coração selvagem.
Clarice não é vírgula,
Não é dois pontos.
Ela é reticências de entendimentos,
É interrogação
E exclamação.
É uma alma inquieta
Que inquieta.
É caótica... intensa...
Deslocada do eixo comum
Da superficialidade.
É provocadora
E nos fazem viver
A hora da estrela.
CLAMOR IN/VERSO
Josafá Santana
Cansado
Dos mesmos riscos
e horizontes
Lembro
A mim mesmo,
Escafandrista
De rios rasos,
Que preciso sustentar
minha existência frágil
No caminho das incertezas
do amanhã
Como quem carrega
Sóis em dias de céus
escuros e frios.
Sou filho gerado
Pelo deus Caos
Em busca de heróis
Mas preciso não pensar
Em cordas
Árvores
Sonhos de Ícaro
E abismos.
Preciso dormir
Sobre minhas dores
Acordar e pegar a vida
Com as mãos...
RASGANDO E REMENDANDO SILÊNCIOS
Josafá Santana
Quem ama
Perde
Muito tempo
Fora
Do chão
Desperta
Sempre
Suspeita
Arranhando
A superfície
Dos céus
O AMOR
Josafá Santana
Amor é naufrágio
Para quem
Não é escafandrista
De rios fundos
É travessia
É perigo
É risco de nado
E mergulho
Para quem
Não sabe
O que é profundidade
E uma reta em curvas
Ele dá sombra
À noite
E faz sol
Fora da hora
É perda quando
Não se quer ganhar
É sempre desproporcional
A quem ama
O amor salva
Da semente
Terra e céu
De sua infecundidade
NADA BASTA SER!
Josafá Santana
Confesso:
Não é nada fácil
Ser um poeta
De versos malditos
Já li leminski
Li chacal
Li schwarz
Li wally salomão
Li rimbaud
Li ginsberg
Já li até wélcio de toledo
Já mandei muita
Coisa pra pôrra
Já mandei muita
Gente pra puta
Que o pariu
Já pixei muro com as palavras:
Abaixo o verso
Bem comportado
E metrado
Mas isso não é
Nada maldito!
Já gritei pra muita gente ouvir:
“a burguesia fede...
Mas tem dinheiro
Pra comprar
Perfume francês”
Já pixei as paredes
Da abl com as palavras:
Intelectuais não fodem
Se masturbam mentalmente
E gozam...
E nada acontece
De maldito
Em meus versos!
Já gritei versos
Em bares
Em teatros
Em escolas
Em bibliotecas
Em portas de igrejas
Em cemitérios
Em praças públicas
Em quartéis
Em puteiros
Em portas de delegacias
Já tentei dizer
O que diz
O que não diz
Palavras hostis
Incendiárias
Já li tristan corbière
Li mallarmé
Li paul verlaine
Li lautréamont
Li cacaso
Li chico alvim
Já li até turiba
E nada acontece
De maldito
Em meus versos!
Já me coloquei
À margem de muita coisa
Fui polêmico
Iconoclasta
Mas ninguém consegue
Me ver como “raça
Sempre maldita
Aos poderosos da terra”
Já tentei me demarcar
Do resto do mundo
Em suas normas e regras
Já fiz pouco caso
Já me bundei
Desbundei
E nada de maldito
Acontece
Em meus versos!
Já li daiane di prima
Li gregory corso
Li catia cernov
Li ana cristina césar
Li torquato neto
Li geraldo carneiro
Já li até jorge amâncio
Já me revelei
Estive de lero-lero
Na corda bamba
Deixei de prosa
Entrei em paranóia
Já li quase tudo
Da geração beat
Já brinquei
Na tarde de esterco
Já conquistei
A imensa desolação
Dos dias doces te teu ser
Já me coloquei como
Um panfletário do caos
E nada aconteceu
De maldito
Em meus versos!
Já li artaud
Li jorge o mautner
Li charles cros
Li laforgue
Li baudelaire
Li o piva
Já li até fernando freire
Já tentei
Alargar os abismos
Que me separam da elite
Já desci ao inferno
De mim mesmo
Em busca
Do lado obscuro
E às vezes perverso
Que o racionalismo cuspiu
Arrotou e cagou
E que camusmente:
“morrem e não são felizes”
E irrompem
Com suas mãos e bocas
A realidade caótica
Que atravessam nossos olhos
E nossos caminhos
Mas nada acontece
De maldito
Em meus versos!
Quero meu direito
De ir vir
Rir e gozar
E se nada
De maldito
Em meus versos
Acontecem
Que vá a pôrra
Que vá a puta que pariu
A visibilidade do ser e ter
Quero ser a desobediência
E a recusa
De pertencer
A qualquer ideologia instituída
E abaixo o fascismo
O genocismo
Abaixo a debilidade humana
Enfim...
Não basta nada disso
Não basta...
Saber é poder não ser...
SAL EM CINZAS
Josafá Santana
Liberdade é fora
É do tamanho
Do mundo
Solidão é dentro
Da gente
É o sozinho
É o sem lugar
Não tem janelas
Nem portas
Não clama
A vida às claras
Na noite
Se esconde
Grita e sofre
É uma espera
Enorme
É um gatilho
Apontado
Pro oco do mundo
Josafá Santana é professor de História e poeta em momentos de lampejos. Lançou seu primeiro livro de poesia, "Constância e Inconstância", nos anos 90, em plena geração mimeógrafo, em Brasília. É mineiro de Serra dos Aimorés e reside em Brasília desde os anos 70. Não se diz poeta. Prefere que as pessoas o delatem. Recentemente, em circuito fechado, lançou seu segundo livro de poesia: "Lições Ao Rês Do Nada, pela editora Ibis Libis.a
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José Couto (Porto Alegre/RS). Professor e poeta brasileiro. É o autor de “A impermanência da escrita” (2010), “O soneto de Pandora” (2017) e “O unicórnio do sul e outras lendas poéticas” com ilustrações de Luiza Maciel Nogueira (2018). E dos inéditos “quase quasares” poesia,”Sete Cânticos Negros”, poesia, arte plástica e música, TOTEM (poesias a quatro mãos) com arte de Artur Madruga.
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