Quatro poemas de Nil Kremer
novembro de 2022
15ª Vida Secreta
15ª Vida Secreta
eu poderia te amar
sem ter ido a Paris
sentindo as dores de Auschwitz
sem fluência no inglês
depois de Machu Picchu
sem pós qualquer coisa
sem ser concursada
nada e tudo, assim
só para experimentar
eu poderia te amar
sonâmbula
em transe
lisérgica
crescente e nova
cheia
eu poderia te amar
abusar da tua tolerância
como criança fazer pirraça
correr o risco
cisco no teu olho
farpa no teu dedo
mamulengo nos teus braços
embaraço convincente
e depois
que findasse a travessia
não me importaria em ser
o sagrado em você
não entendo do amor
entendo de culinária vegetariana
de frieiras, tormento no inverno
da ternura no sorriso de Clara
da farra sincera embebida em vinho
da beleza do cinema francês
do português, língua
também pouco entendo
o amor me cheira a farrapos
me deixa sem teto
sem credo
à deriva
é que não sei migrar dos teus olhos, não sei
nem das argumentações hipnóticas que usas
e olhe que não tem a ver com beleza
não tem a ver com promessas
nem com sex appell
é mais o intelecto que fisga
teu jeito doce de se aproximar
este carinho que você traz na voz
voz transbordando malícia
malícia e doçura
o jeito de ouvir com o corpo
de como me abraça rota
quando digo o que não é
e você sorri com delicadeza
e concorda mesmo não sendo
a forma como a mulher encontra o homem
depois do ouvinte e do falante
a forma como amantes
antes de você
o poema tinha outro ritmo
num fim de tarde depois da segunda morte
afoguei a pressa na bacia do banheiro
sofri o necessário
com a candura da criança que encontra o pássaro morto
desde então os minutos são aliados
olho nos olhos do inevitável com sorriso decadente
dei trégua para o cão
que late faminto a espera dos ossos
me alimento de carne de nuvem
quero abraçar os vazios e regar as dores
sem me arrancar pedaços imensos
sem ter ido a Paris
sentindo as dores de Auschwitz
sem fluência no inglês
depois de Machu Picchu
sem pós qualquer coisa
sem ser concursada
nada e tudo, assim
só para experimentar
eu poderia te amar
sonâmbula
em transe
lisérgica
crescente e nova
cheia
eu poderia te amar
abusar da tua tolerância
como criança fazer pirraça
correr o risco
cisco no teu olho
farpa no teu dedo
mamulengo nos teus braços
embaraço convincente
e depois
que findasse a travessia
não me importaria em ser
o sagrado em você
não entendo do amor
entendo de culinária vegetariana
de frieiras, tormento no inverno
da ternura no sorriso de Clara
da farra sincera embebida em vinho
da beleza do cinema francês
do português, língua
também pouco entendo
o amor me cheira a farrapos
me deixa sem teto
sem credo
à deriva
é que não sei migrar dos teus olhos, não sei
nem das argumentações hipnóticas que usas
e olhe que não tem a ver com beleza
não tem a ver com promessas
nem com sex appell
é mais o intelecto que fisga
teu jeito doce de se aproximar
este carinho que você traz na voz
voz transbordando malícia
malícia e doçura
o jeito de ouvir com o corpo
de como me abraça rota
quando digo o que não é
e você sorri com delicadeza
e concorda mesmo não sendo
a forma como a mulher encontra o homem
depois do ouvinte e do falante
a forma como amantes
antes de você
o poema tinha outro ritmo
num fim de tarde depois da segunda morte
afoguei a pressa na bacia do banheiro
sofri o necessário
com a candura da criança que encontra o pássaro morto
desde então os minutos são aliados
olho nos olhos do inevitável com sorriso decadente
dei trégua para o cão
que late faminto a espera dos ossos
me alimento de carne de nuvem
quero abraçar os vazios e regar as dores
sem me arrancar pedaços imensos
Nil Kremer é atriz, performer, arte educadora e escritora, com formação em Letras (UCS). Publicou o livro independente e artesanal Kamikaze. Está na antologia As mulheres poetas na Literatura brasileira, organizada por Rubens Jardim e lançada pela editora Arribaçã.
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