Poemas & Poetas indeléveis de 2021: Tito Leite
15 de dezembro de 2021
seleção de José Couto
por Tito Leite
seleção de José Couto
por Tito Leite
Eu canto o limo
E o mar aberto,
A madrugada dos poetas
E o tiro seco dos filósofos.
Eu canto o estrondo da trombeta
E o monge que titubeia
Entre o louco e o santo.
Eu canto a ovelha e o lobo,
O anjo
Em pele de meteoro
E o fim sábio do poeta tolo.
Eu sou o outro que me falta –
E são tantas coisas inacabadas
Que me tiram o sono:
O viajante sem destino
Que pega um barco
Para Colômbia e no trânsito
Dos planetas atravessa
O sinal vermelho; o místico
Que doma a solidão
Ou faz da serenidade uma irmã;
Um livro empoeirado na gaveta
Com Frege
Falando da estrela da manhã;
Uma pequena cidade
Que morei e não me despedi;
O sonho que perfura minha tarde
E por ele perdi a gravidade.
Eu sou o outro
Que me falta – e são tantas
Coisas inacabadas
Que me completam e ainda
Perco o juízo,
Com saudade
De quando erámos melhores.
MISERERE NOBIS
No gueto
Chuva de anjos
Caídos.
O telejornal toca
O contrabaixo
Do apocalipse.
Cigarras bailam
Na descontente
Garganta do caos.
Poetas procuram
O melhor
Atentado.
Matar
As harpias
Que molestam
A alma.
A resistência
É um gato branco
Numa noite
De blecaute.
Muitos pastores
Um só holocausto:
Deus nos salve
De Deus.
UM DOS NOVOS POEMAS
As horas ganham
Um rosto de urgência,
Manhã a ignorar
A normalidade da morte.
A insensibilidade
É um meteoro rasgando
A pele do meio-dia
Como se não houvessem
Mãos para colher
As flores de março
E o mormaço
Dos dias atuais espantasse
Todas as borboletas.
É tanto alvoroço
Sem sentido e peço
Para não confundir
O burro com a mensagem.
Procuro uma palavra
Sobre a matéria putrefata
Dessas tardes.
Uma palavra escondida
Em alguma boca seca
De detalhes.
Já não falo da oitava
Mais alta de um poema,
Mas de pessoas desapontadas
Que trocam os sonhos
Pela corcunda
De um dromedário.
A falta de sentido
É um convite para sair
Do labirinto do Minotauro.
Jogar fora o carretel
E seguir a linha:
Empinar uma pipa
Em dia de chuva.
É possível
Sem sangrar a alma?
DESREGRAMENTO DO SER
A falta de senso prático me
Enraíza nas coisas do alto.
Entro em simbiose com estrelas
De outras esferas, mares
Que guardam segredos de um rei,
Plantas anômalas, homens e mulheres
Em cápsulas de felicitinas.
A beleza de um sentimento corresponde
Ao seu risco.
Insurgem ecos de uma explosão paradisíaca:
A minha inquietude quer sê-la.
Sou como Empédocles,
Sigo o que acredito
Até a cratera de um vulcão.
E se da tempestade
Que se converte em prantos,
Pudesse
Dos seus escombros reinventar
Nossa casa comum
Beber vinho no crânio de amargos
Bárbaros
Deitar-se numa cama de açucena,
Tendo a lua como aceno.
E se fosse
Os meus olhos além de confetes,
Liberdade e manhãs,
Então, todo vinho seria novo.
Vejo um coelho branco
Atrás do nevoeiro.
Fico perdido feito cego
No meio da claridade.
Para Sócrates, o osso
De uma verdade
É encontrado dentro
De nós mesmos.
O segredo
De muitos filósofos
É o escondimento.
Eles se protegem
Atrás de conceitos.
No fragor
De minhas especulações
Faltam palavras
A dizer: no imenso nada
Tudo deságua e a terra
Já não reclama pelo
Sangue bucólico de Abel.
Fico com a intuição
De que todas as estrelas
Cantam:
Nenhuma noite é cega,
Nenhum momento morre,
Nenhuma pomba
Abraça um furacão,
Nenhum poeta é novo
E a paz não descansa
Na sombra de uma árvore.
A força da natureza
Tudo rasga,
Como se fosse o soco
De uma onda quebrada
Na finura da tarde.
A força da natureza
Tudo arrasta e não pergunta
Pelo que é digno de ficar.
Por mais que os sinos
Dobrem,
As horas nunca
Estiveram aqui.
Pupila dos olhos,
A ilusão de que é possível
Capturar o que foge.
Corri muito
E pensei bastante.
Com os meus planos
Desmedidos
Com os meus diários
Cinzentos
E meus alicates
De cortar cercas coloniais.
Com linhas tortas
Em palimpsesto
Escrevi certo e inventei
Motores, findou em nada.
Minhas lutas não
Venci – do que sonhei sou
Uma figura de uma cantiga
Que não se descerra.
E o mar aberto,
A madrugada dos poetas
E o tiro seco dos filósofos.
Eu canto o estrondo da trombeta
E o monge que titubeia
Entre o louco e o santo.
Eu canto a ovelha e o lobo,
O anjo
Em pele de meteoro
E o fim sábio do poeta tolo.
Eu sou o outro que me falta –
E são tantas coisas inacabadas
Que me tiram o sono:
O viajante sem destino
Que pega um barco
Para Colômbia e no trânsito
Dos planetas atravessa
O sinal vermelho; o místico
Que doma a solidão
Ou faz da serenidade uma irmã;
Um livro empoeirado na gaveta
Com Frege
Falando da estrela da manhã;
Uma pequena cidade
Que morei e não me despedi;
O sonho que perfura minha tarde
E por ele perdi a gravidade.
Eu sou o outro
Que me falta – e são tantas
Coisas inacabadas
Que me completam e ainda
Perco o juízo,
Com saudade
De quando erámos melhores.
MISERERE NOBIS
No gueto
Chuva de anjos
Caídos.
O telejornal toca
O contrabaixo
Do apocalipse.
Cigarras bailam
Na descontente
Garganta do caos.
Poetas procuram
O melhor
Atentado.
Matar
As harpias
Que molestam
A alma.
A resistência
É um gato branco
Numa noite
De blecaute.
Muitos pastores
Um só holocausto:
Deus nos salve
De Deus.
UM DOS NOVOS POEMAS
As horas ganham
Um rosto de urgência,
Manhã a ignorar
A normalidade da morte.
A insensibilidade
É um meteoro rasgando
A pele do meio-dia
Como se não houvessem
Mãos para colher
As flores de março
E o mormaço
Dos dias atuais espantasse
Todas as borboletas.
É tanto alvoroço
Sem sentido e peço
Para não confundir
O burro com a mensagem.
Procuro uma palavra
Sobre a matéria putrefata
Dessas tardes.
Uma palavra escondida
Em alguma boca seca
De detalhes.
Já não falo da oitava
Mais alta de um poema,
Mas de pessoas desapontadas
Que trocam os sonhos
Pela corcunda
De um dromedário.
A falta de sentido
É um convite para sair
Do labirinto do Minotauro.
Jogar fora o carretel
E seguir a linha:
Empinar uma pipa
Em dia de chuva.
É possível
Sem sangrar a alma?
DESREGRAMENTO DO SER
A falta de senso prático me
Enraíza nas coisas do alto.
Entro em simbiose com estrelas
De outras esferas, mares
Que guardam segredos de um rei,
Plantas anômalas, homens e mulheres
Em cápsulas de felicitinas.
A beleza de um sentimento corresponde
Ao seu risco.
Insurgem ecos de uma explosão paradisíaca:
A minha inquietude quer sê-la.
Sou como Empédocles,
Sigo o que acredito
Até a cratera de um vulcão.
E se da tempestade
Que se converte em prantos,
Pudesse
Dos seus escombros reinventar
Nossa casa comum
Beber vinho no crânio de amargos
Bárbaros
Deitar-se numa cama de açucena,
Tendo a lua como aceno.
E se fosse
Os meus olhos além de confetes,
Liberdade e manhãs,
Então, todo vinho seria novo.
Vejo um coelho branco
Atrás do nevoeiro.
Fico perdido feito cego
No meio da claridade.
Para Sócrates, o osso
De uma verdade
É encontrado dentro
De nós mesmos.
O segredo
De muitos filósofos
É o escondimento.
Eles se protegem
Atrás de conceitos.
No fragor
De minhas especulações
Faltam palavras
A dizer: no imenso nada
Tudo deságua e a terra
Já não reclama pelo
Sangue bucólico de Abel.
Fico com a intuição
De que todas as estrelas
Cantam:
Nenhuma noite é cega,
Nenhum momento morre,
Nenhuma pomba
Abraça um furacão,
Nenhum poeta é novo
E a paz não descansa
Na sombra de uma árvore.
A força da natureza
Tudo rasga,
Como se fosse o soco
De uma onda quebrada
Na finura da tarde.
A força da natureza
Tudo arrasta e não pergunta
Pelo que é digno de ficar.
Por mais que os sinos
Dobrem,
As horas nunca
Estiveram aqui.
Pupila dos olhos,
A ilusão de que é possível
Capturar o que foge.
Corri muito
E pensei bastante.
Com os meus planos
Desmedidos
Com os meus diários
Cinzentos
E meus alicates
De cortar cercas coloniais.
Com linhas tortas
Em palimpsesto
Escrevi certo e inventei
Motores, findou em nada.
Minhas lutas não
Venci – do que sonhei sou
Uma figura de uma cantiga
Que não se descerra.
Tito Leite nasceu em Aurora-CE (1980). É poeta e monge beneditino, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de ensino de Filosofia. É autor dos livros de poemas "Digitais do Caos" (Selo Edith, 2016) e "Aurora de Cedro" (Editora 7letras, 2019). Participou das antologias Sob a pele da língua — breviário poético brasileiro (org. Floriano Martins, Arc Edições, 2019), Revista Gueto: edição impressa n.1 (org. Rodrigo Novaes de Almeida, Editora Patuá, 2019). É curador da Revista Gueto. Tem poemas publicados em revistas impressas e digitais.
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José Couto (Porto Alegre/RS). Professor e poeta brasileiro. É o autor de “A impermanência da escrita” (2010), “O soneto de Pandora” (2017) e “O unicórnio do sul e outras lendas poéticas” com ilustrações de Luiza Maciel Nogueira (2018). E dos inéditos “quase quasares” poesia,”Sete Cânticos Negros”, poesia, arte plástica e música, TOTEM (poesias a quatro mãos) com arte de Artur Madruga.
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