Aos pariceiros dos anos 80
(um uivo recifense)
22 de fevereiro de 2022
por Valmir Jordão
por Valmir Jordão
Eu vi os expoentes da minha geração consumindo
muito álcool, na Rua do Hospício em busca da loucura,
chapando insistentemente no Beco da Fome para
recitar na Sete de Setembro contra o auto otarismo
e o autoritarismo em voga.
Andando pelas ruas da Boa Vista feitos zumbis
bêbados, ansiando fumar um nos miseráveis apartamentos
sem água e sem luz, flutuando sobre os tetos da
cidade contemplando junkies que desnudaram seus
cérebros ao céu, e viram o Comando de Caça aos Comunistas
com as mãos sujas do sangue do Padre Henrique.
Cansados de alguns acadêmicos sem brilho, dissecando as
almas dos poetas malditos, com toda a mediocridade
e a arrogância dos que tentam apropriar-se do alheio,
enquanto Gregório de Matos, William Blake
e Patativa do Assaré reluzem em outras dimensões,
erámos detidos e baculejados pela polícia, suspeitos
de vagabundagem e subversão.
E vi a juventude mergulhada nas drogas alopáticas,
uns dependentes do Algafan, outros no éter e
no Pambenyl e mais alguns usando cocaína ou
Fiorinal para encontrar o seu próprio paraíso artificial.
Presenciei o bardo Alberto da Cunha Melo
a combater o regime de exceção na estrada do excesso,
pois todo gênio que se preza, busca a sua garrafa,
enquanto boa parte da sua geração camuflava-se
na aura da vaidade literária.
Erickson Luna com a sua autoflagelação nas drogas, no
álcool e na anorexia das noites insones no
Cais de Santa Rita ou em Santo Amaro da Salinas,
armado de copo na mão com aparência a esganar
o mundo e todo o mundo, a dizer que a felicidade é
apenas um golpe publicitário.
Espinhara espinhando as relações com o seu jeito
espinhoso de ser, Lautreamont, Augusto dos Anjos,
Jean Genet e Chico Buarque, foi o seu quarteto mais
que fantástico, fora de si, tentou afogar-se na lama,
mas a Buarque de Macedo rejeitou esta atitude,
semeava o lítero e colhia o pessimismo com o seu mau humor
e machismo digno de um Bukowisk, e foi o poeta da flor e do espinho.
O comportamental França nos seus recitais notívagos
e sedutores, a atrair burguesas branquelas com a sua
fala e o seu falo de ébano, a repetir: "Quem quer querelas?"
O deseducador cultural Jomard Muniz de Brito
evocando Glauber o Rocha, e o Tropicalismo nordestinado contra a caretice
nos meios e nas mansardas recifenses, a quebrar
tabus, sendo eternamente Pagú e Papangú nos canaviais e carnavais
da Mauricéia travada pela burrice. Mil vivas ao mau velhinho!
Fred Caminha nas pensões e manicômios, nos
Coelhos e no Bairro do Recife ou na Palma em busca de uma
puta, uma carreira ou uma bola, pra rolar na Conde da Boa Vista,
Príncipe ou Manoel Borba.
Jorge Lopes tatuando na própria alma seus desejos
de sexo, drogas e Rock and Roll, da Caxangá pra
Riachuelo na sua batalha diária contra a fome de viver,
para não tornar-se uma garatuja de si próprio.
Vi Cida Pedrosa, Samuca, Miró, Lara e os "Cavaleiros da Epifânia" a cavalgar na
"Ilusão de Ética" e na resenha Interpoética sempre "Amarginal",
na Praça do Sebo, os aedos em Pedro Américo cantares.
Hector Pellizzi, Manuzé, Fátima Ferreira, Poeta Haroldo, Wilson Vieira, Joca de Oliveira,
Wilson Freire, Humberto Felipe, Manuzé, Eduardo Martins, Raimundo de Moraes,
Heloísa Bandeira, Celso Mesquita, Chicão, Paulinho Jofilsan, Gilberto Carvalho, Zizo,
Marcelo Mário Melo e Juareiz Correya ecoando poemas no Bar Savoy, no Calabouço
e na Livro 7, mostrando o quanto a América está indignada.
E todos se reergueram no passo libertário do Frevo
e na síncope do Maracatu e na batida literalmente do Côco.
Provaram o vinho avinagrado dos tempos difíceis,
mas mesmo assim, deixando o que houve para ser dito no tempo,
após a morte...
muito álcool, na Rua do Hospício em busca da loucura,
chapando insistentemente no Beco da Fome para
recitar na Sete de Setembro contra o auto otarismo
e o autoritarismo em voga.
Andando pelas ruas da Boa Vista feitos zumbis
bêbados, ansiando fumar um nos miseráveis apartamentos
sem água e sem luz, flutuando sobre os tetos da
cidade contemplando junkies que desnudaram seus
cérebros ao céu, e viram o Comando de Caça aos Comunistas
com as mãos sujas do sangue do Padre Henrique.
Cansados de alguns acadêmicos sem brilho, dissecando as
almas dos poetas malditos, com toda a mediocridade
e a arrogância dos que tentam apropriar-se do alheio,
enquanto Gregório de Matos, William Blake
e Patativa do Assaré reluzem em outras dimensões,
erámos detidos e baculejados pela polícia, suspeitos
de vagabundagem e subversão.
E vi a juventude mergulhada nas drogas alopáticas,
uns dependentes do Algafan, outros no éter e
no Pambenyl e mais alguns usando cocaína ou
Fiorinal para encontrar o seu próprio paraíso artificial.
Presenciei o bardo Alberto da Cunha Melo
a combater o regime de exceção na estrada do excesso,
pois todo gênio que se preza, busca a sua garrafa,
enquanto boa parte da sua geração camuflava-se
na aura da vaidade literária.
Erickson Luna com a sua autoflagelação nas drogas, no
álcool e na anorexia das noites insones no
Cais de Santa Rita ou em Santo Amaro da Salinas,
armado de copo na mão com aparência a esganar
o mundo e todo o mundo, a dizer que a felicidade é
apenas um golpe publicitário.
Espinhara espinhando as relações com o seu jeito
espinhoso de ser, Lautreamont, Augusto dos Anjos,
Jean Genet e Chico Buarque, foi o seu quarteto mais
que fantástico, fora de si, tentou afogar-se na lama,
mas a Buarque de Macedo rejeitou esta atitude,
semeava o lítero e colhia o pessimismo com o seu mau humor
e machismo digno de um Bukowisk, e foi o poeta da flor e do espinho.
O comportamental França nos seus recitais notívagos
e sedutores, a atrair burguesas branquelas com a sua
fala e o seu falo de ébano, a repetir: "Quem quer querelas?"
O deseducador cultural Jomard Muniz de Brito
evocando Glauber o Rocha, e o Tropicalismo nordestinado contra a caretice
nos meios e nas mansardas recifenses, a quebrar
tabus, sendo eternamente Pagú e Papangú nos canaviais e carnavais
da Mauricéia travada pela burrice. Mil vivas ao mau velhinho!
Fred Caminha nas pensões e manicômios, nos
Coelhos e no Bairro do Recife ou na Palma em busca de uma
puta, uma carreira ou uma bola, pra rolar na Conde da Boa Vista,
Príncipe ou Manoel Borba.
Jorge Lopes tatuando na própria alma seus desejos
de sexo, drogas e Rock and Roll, da Caxangá pra
Riachuelo na sua batalha diária contra a fome de viver,
para não tornar-se uma garatuja de si próprio.
Vi Cida Pedrosa, Samuca, Miró, Lara e os "Cavaleiros da Epifânia" a cavalgar na
"Ilusão de Ética" e na resenha Interpoética sempre "Amarginal",
na Praça do Sebo, os aedos em Pedro Américo cantares.
Hector Pellizzi, Manuzé, Fátima Ferreira, Poeta Haroldo, Wilson Vieira, Joca de Oliveira,
Wilson Freire, Humberto Felipe, Manuzé, Eduardo Martins, Raimundo de Moraes,
Heloísa Bandeira, Celso Mesquita, Chicão, Paulinho Jofilsan, Gilberto Carvalho, Zizo,
Marcelo Mário Melo e Juareiz Correya ecoando poemas no Bar Savoy, no Calabouço
e na Livro 7, mostrando o quanto a América está indignada.
E todos se reergueram no passo libertário do Frevo
e na síncope do Maracatu e na batida literalmente do Côco.
Provaram o vinho avinagrado dos tempos difíceis,
mas mesmo assim, deixando o que houve para ser dito no tempo,
após a morte...
Valmir Jordão é poeta, compositor e performer. Nasceu no Recife, é partícipe do MEI/PE (Movimento dos Escritores Independentes de Pernambuco), desde 1982, nas ruas, praças, sindicatos, cinemas, teatros, escolas, universidades e nos festivais por todo o Brasil. Publicou: Sobre vivência (1982), Poe mas (1999), Hai kaindo na real (2008), Poemas diversos (2013), Poemas reunidos (2015), Poemas recifenses (2019).
Foto: Simone Brito |