romance em preta e branco,
conto de Vitor Miranda
16 de abril de 2022
por Vitor Miranda
por Vitor Miranda
estava em frente a casa dela. há muito que a gente conversava. há tempos não nos víamos. da última vez eu namorava. antes disso era ela. agora estávamos sós. sempre a admirei pela sua inteligência, as coisas que ela dizia, o que pensava, tudo que ela expressava era lindo, com o corpo, com a dança, seus olhares, as palavras. por isso estava nervoso como geralmente não fico. aquele nervosismo que dá quando você vai sair com alguém que te encanta e que intimida suas palavras. mas ela entrou no carro, sorriu e me beijou a face carinhosamente. sorri de volta. sorrir conforta. no caminho conversamos sobre coisas aleatórias. ela zoou a minha barba que não tem corte. rimos.
ela me levou a um espetáculo de dança no Sesc Pompéia. na fila ela disse que era a única pessoa preta além do segurança e da faxineira. meu rosto entristeceu. ela sorriu.
— e se eu começasse a gritar "onde estão os pretos?"
encorajei-a. rimos. dei a mão pra ela. ela olhou pra elas juntas. entramos e sentamos. falei mal da cadeira da Lina Bobardi.
— pode ser linda, mas é desconfortável. igual no Teatro Oficina.
ela riu. a gente se divertia juntos. parecia que sim. nunca vamos saber se a pessoa com quem compartilhamos um momento sente a mesma coisa que a gente. as luzes apagaram e o espetáculo começou. foi lindo. era um coreógrafo que ela gostava muito. ela perguntou o que achei. disse algo sobre as luzes. entendo mais de luz do que de dança. fomos embora conversando sobre coisas mais intelectuais. assuntos de arte. a conversa era tão boa que o tempo voou. é sempre assim. momentos bons andam mais rapidamente. às vezes parece que o tempo está contra a gente. o tempo é Deus, dizem.
o carro parado em frente à casa dela. ficou um silêncio. a rua em movimento. a gente sem saber o que dizer. desliguei o motor e ficamos nos olhando. as pessoas costumam elogiar olhos claros. sempre gostei de íris preta. misteriosos olhos escuros. infinitos. buracos negros que nos fazem viajar no tempo. momentos bons voam, mas esses instantes fazem o tempo parar. fazem a gente existir em todos os tempos. nos abraçamos e ficamos ali pra sempre. até que ela disse.
— não posso.
o abraço se desfez lentamente.
— não pode ou não quer?
— acho que... não posso.
fiquei pensando se tinha feito algo errado. talvez fosse eu. queria saber o motivo. tive medo de ser invasivo. recuei.
— tudo bem.
aceitei com as palavras. os olhos me entregaram. sua sensibilidade me acudiu.
— tomei uma decisão na vida e prometi pra mim mesma que não vou mais ficar com homens brancos.
seus olhos brilharam ao dizer isso. os meus brilharam ao ouvir. o dela era um brilho confuso. de liberdade, mas também de tristeza. o meu era só de tristeza.
— preciso ir. adorei nossa noite.
se despediu com um beijo na face e saiu. fiquei olhando-a abrir o portão. me desferiu o último olhar por trás das grades. nos despedimos com os olhos.
ela me levou a um espetáculo de dança no Sesc Pompéia. na fila ela disse que era a única pessoa preta além do segurança e da faxineira. meu rosto entristeceu. ela sorriu.
— e se eu começasse a gritar "onde estão os pretos?"
encorajei-a. rimos. dei a mão pra ela. ela olhou pra elas juntas. entramos e sentamos. falei mal da cadeira da Lina Bobardi.
— pode ser linda, mas é desconfortável. igual no Teatro Oficina.
ela riu. a gente se divertia juntos. parecia que sim. nunca vamos saber se a pessoa com quem compartilhamos um momento sente a mesma coisa que a gente. as luzes apagaram e o espetáculo começou. foi lindo. era um coreógrafo que ela gostava muito. ela perguntou o que achei. disse algo sobre as luzes. entendo mais de luz do que de dança. fomos embora conversando sobre coisas mais intelectuais. assuntos de arte. a conversa era tão boa que o tempo voou. é sempre assim. momentos bons andam mais rapidamente. às vezes parece que o tempo está contra a gente. o tempo é Deus, dizem.
o carro parado em frente à casa dela. ficou um silêncio. a rua em movimento. a gente sem saber o que dizer. desliguei o motor e ficamos nos olhando. as pessoas costumam elogiar olhos claros. sempre gostei de íris preta. misteriosos olhos escuros. infinitos. buracos negros que nos fazem viajar no tempo. momentos bons voam, mas esses instantes fazem o tempo parar. fazem a gente existir em todos os tempos. nos abraçamos e ficamos ali pra sempre. até que ela disse.
— não posso.
o abraço se desfez lentamente.
— não pode ou não quer?
— acho que... não posso.
fiquei pensando se tinha feito algo errado. talvez fosse eu. queria saber o motivo. tive medo de ser invasivo. recuei.
— tudo bem.
aceitei com as palavras. os olhos me entregaram. sua sensibilidade me acudiu.
— tomei uma decisão na vida e prometi pra mim mesma que não vou mais ficar com homens brancos.
seus olhos brilharam ao dizer isso. os meus brilharam ao ouvir. o dela era um brilho confuso. de liberdade, mas também de tristeza. o meu era só de tristeza.
— preciso ir. adorei nossa noite.
se despediu com um beijo na face e saiu. fiquei olhando-a abrir o portão. me desferiu o último olhar por trás das grades. nos despedimos com os olhos.
Vitor Miranda é autor de dois livros de poesia: Poemas de amor deixados na portaria que deu origem a Banda da Portaria; A gente não quer voltar pra casa que foi semifinalista do prêmio Oceanos 2019. Publicou também o romance experimental A moça caminha alada sobre as pedras de Paraty. Hoje está vendendo o livro de contos O que a gente não faz para vender um livro?
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